Estante

A origem e a comemoração do Dia Internacional das MulheresAntes de movimentar o mercado de flores e bombons e dar uma visibilidade efêmera à poesia de Adélia Prado, Cecília Meirelles ou Cora Coralina na publicidade institucional, o 8 de Março foi símbolo de lutas por direitos e por emancipação. Mais próxima do 1º de Maio que do Dia das Mães, a data sinalizou no calendário de festividades do movimento socialista a luta das mulheres por igualdade de direitos.

Ana Isabel Alvarez Gonzalez, em As Origens e a Comemoração do Dia Internacional das Mulheres, investiga versões contraditórias sobre os acontecimentos que levaram à escolha dessa data para celebrar as mobilizações e embates dos movimentos de mulheres.

A versão mais difundida a respeito da origem da comemoração do dia internacional da mulher em 8 de março conta que se trata de um tributo a operárias têxteis que, em greve pela redução da jornada de trabalho, morreram queimadas no incêndio de uma fábrica em Nova York, nessa data, em 1857. Essa e a versão alternativa mais corrente que situa o trágico evento na mesma locação, mas em data muito posterior, em 1908, não encontram confirmação nos fatos, como a historiografia feminista vem apontando.

Sustentado em pesquisa realizada em acervos documentais de bibliotecas norte-americanas para trabalho acadêmico na área de Estudos da Mulher, o livro evidencia que a escolha da data condensa um amálgama de origens. No entanto, sua principal contribuição reside no descortínio de um vasto painel das lutas das mulheres por direitos no final do século 19 e no início do 20, das controvérsias entre diferentes vertentes do movimento de mulheres, dos embates no seio do movimento sufragista e da determinação das militantes em advogar os interesses do seu sexo no interior do movimento socialista.

De cunho histórico, a obra visa resgatar o caráter ideológico da comemoração, coteja diferentes tradições historiográficas, como a americana e a espanhola, e retraça sua trajetória até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Nos Estados Unidos, a tradição de reservar um dia às reivindicações das mulheres remonta a 1908, com a celebração organizada pelas socialistas do Women's Day, dedicado à luta pelo direito ao voto. Na Europa, a primeira comemoração do Dia Socialista das Mulheres ocorreu em 1911, para lembrar, segundo Alexandra Kollontai, um levante de mulheres proletárias na Prússia que obteve a promessa (não concretizada) da concessão do direito de voto. Ganhou dimensão internacional em 1910, quando a proposta da líder socialdemocrata alemã, animadora da revista Igualdade e mais tarde deputada comunista, Clara Zetkin (1857-1933), de instituir um dia único para comemorar as lutas das mulheres foi acatada na Conferência das Mulheres Socialistas em Copenhague, na Dinamarca. Nela não há menção ao 8 de março ou a qualquer outra data, nem às operárias americanas mortas no incêndio. Finalmente em 1921, na Conferência das Mulheres Comunistas realizada em Moscou, o 8 de março é adotado como data unificada do Dia Internacional das Operárias e sua comemoração passa a ser impulsionada pela recém criada 3ª Internacional. Realça a importância da manifestação de mulheres contra a guerra e a fome ocorrida em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no calendário ortodoxo), no desencadear da Revolução Russa.

A recuperação dos contextos em que a comemoração emergiu e se consolidou permite a construção de uma passarela entre vertentes do movimento de mulheres que As Origens e a Comemoração do Dia Internacional das Mulheres, Expressão Popular e SOF - Sempreviva Organização Feminista, 2010, 205 páginas. Ana Isabel Álvarez Gonzáles soem ser descritas separadamente. Assim, líderes como Clara Zetkin e Alexandra Kollontai, que costumam figurar apenas no capítulo relativo à "questão feminina" da história do movimento operário, podem conversar com lideranças do movimento sufragista. O contraponto entre feministas burguesas e proletárias faz ressaltar aproximações e contrastes e propicia ângulos novos à informação. Resgata debates que permanecem atuais sobre o alcance e os limites das reivindicações femininas, da organização autônoma das mulheres, das lutas identitárias e das lutas gerais.
Albertina de Oliveira Costa é pesquisadora da Fundação Carlos Chagas