Estante

Romance, As Perguntas de GauguinNos muitos momentos da história em que os homens se encontram sem direção, quando se fala da crise social, a consciência individual se encontra aflita, espremida. Cheios de dúvidas, perdidos nas águas turvas da crise da modernidade, os personagens de "As Perguntas de Gauguin" formulam suas dúvidas entre as aflições do exílio e o espaço da urbanização predatória no país.

O pintor Glénan vai percorrendo nas páginas do livro de Ronaldo Lins o espaço de muitos exílios, exílios existenciais, nas ruas de Londres, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Entre os desamores de Carlão e as aflições de Liza, a trama individual se entrelaça com o ambiente de desesperança brutal dos choques da modernidade capitalista.

As perguntas do artista impressionista, que no século passado deslocou-se da Capital das Luzes, Paris, para os trópicos, adquirem sentido mais dramático no isolamento mais aflitivo em um cotidiano mais fragmentado e degradado. O exílio político e o exílio da alma se misturam no ritmo de muitos destinos que se cruzam. Romance de muitos destinos inconclusos, por isso romance de muitas perguntas, o texto de Ronaldo consegue ultrapassar os escritos memorialistas, embora seja uma narrativa que fale do tempo, que se ambiente na história do início da nossa década.

Nas palavras do narrador, "o país padecia do mal do descontrole, e agia segundo os sintomas de sua enfermidade social, geográfica, econômica, sem dela tirar proveito. A história não digeria os traumas por meio de uma reflexão organizada: nunca se dispôs da serenidade necessária para isso. Simplesmente os consumia, alimentando mitos que a realidade desmentia no cotidiano de cada um". Bela descrição da explosão de dramas e da crise de representação que emerge em cada cena, em cada traço de nossas ruas. Neste movimento ativo e reflexivo As Perguntas de Gauguin vem contrapor algum impulso social humanizador aos ritmos inesgotáveis de uma modernidade insaciável na sua voracidade como bombas de irracionalidade que explodem misteriosamente.

Cunca Bocayuva é professor da Faculdade Hélio Afonso (FACHA).