Estante

livro Assalto ao Céu de Takao AmanoUm dos recentes lançamentos da coleção Memória Militante da Com-Arte – editora laboratório do curso de Editoração da Universidade de São Paulo –, Assalto ao Céu, de Takao Amano, vem somar-se a essa verdadeira batalha que tem sido travada sobre a memória da resistência contra a ditadura militar. A iniciativa é de extrema importância neste momento em que surge uma vertente revisionista dessa história, apoiada pelos grandes grupos midiáticos coparticipantes e beneficiários daquela longa noite de 1964, que tem como um de seus principais propósitos o linchamento dos ex-militantes de esquerda, como se não já bastassem os porões da tortura.

Elaborado a partir de um longo depoimento, o livro de Amano, militante do PCB e da ALN durante a ditadura de 1964-1985, aborda sua formação, militância, relações familiares, exílio e os desafios de seu retorno ao país após a lentíssima, gradual, tutelada – e até mesmo inconclusa – abertura política. De início, a leitura já nos apresenta uma interessante questão: quanto podemos aprender da História (com maiúscula) nos debruçando sobre a trajetória individual de uma pessoa? Nesse sentido, podemos ver desfilar pelas memórias e vida de Amano de maneira sóbria, sem nenhuma afetação, o curto e extremo século 20.

Da crise de 1929, que empurra a família de ex-samurais para a emigração, somos levados ao bairro de São Miguel Paulista, em meio ao processo de modernização e industrialização da região metropolitana de São Paulo. A vivência com as greves, as inúmeras organizações de massas que começam a se agitar, somadas ao longínquo Concílio Vaticano II e às guerras de libertação nacional, constituem o período formativo; as consequências do XX Congresso do PCUS e o acirramento da conjuntura política na América Latina e no Brasil, a opção pela autodefesa contra os empresários e militares por meio das armas na ALN.

A História nas mãos de Amano não é de maneira nenhuma fatalista. O autor lhe demonstra enorme respeito, sempre a tomando como ponto de partida em um movimento constante entre suas opções e ações e depois retornando a ela com mais questões do que assertivas e certezas – com a exceção de uma: a batalha foi perdida, mas não a guerra.

A trajetória de Amano e seu relato sobre a derrota da esquerda no Brasil, como certa vez disse Rosa Luxemburgo, são um precioso material do qual devemos extrair nosso conhecimento, poder e idealismo. As possibilidades da História, apesar de tudo, estão nos homens e mulheres que a fazem, e nesse sentido devemos ler as histórias daqueles que a agarraram pelas rédeas com mais atenção do que os intermináveis contos sobre os triunfos de Pirro daqueles que se sentam na lenta charrete do continuum e afirmam a impossibilidade de transformações radicais.

Frente às explosões sociais que sacodem nosso país neste momento, e ainda hão de sacudir por um bom tempo, o livro e trajetória de Amano servem aos jovens que pela primeira vez estão saindo às ruas, tanto como inspiração quanto para a reflexão sobre acertos, equívocos e armadilhas que a dura luta pelo socialismo apresenta. Luta em que o inimigo parece aprender mais do que nós e, como aponta o próprio Amano em suas reflexões finais, se dá em terreno totalmente desfavorável, “em um mundo de pensamento único, em que os teóricos da burguesia prediziam o ‘fim da história’”. Devemos tentar livrar a História de suas amarras e devolvê-la a quem sempre pertenceu: os trabalhadores. Que a chegada do livro – e dos outros volumes da coleção Memória Militante – possa pôr em contato o velho domador e seus ansiosos alunos que voltaram a tomar as ruas.

Fernando Sarti Ferreira é mestre em História Econômica pela Universidade de São Paulo