Estante

Capa Belle ÉpoqueBelle Époque Tropical foi publicado em sua versão original norte-americana em Cambridge em 1987. Esse título, de um claro apelo exótico, e um autor brasilianista devem provocar em nós, leitores brasileiros dos tristes trópicos, reservas iniciais à sua leitura; seria uma pena.

Através de um importante trabalho de pesquisa e de extensa bibliografia, Needel consegue reconstruir muitas das mais esclarecedoras relações sociais, culturais - políticas da elite carioca da virada do século passado. O autor, admiravelmente, na sua condição de estrangeiro, consegue evitar generalizações e reducionismo e faz o que promete - na primeira página de citações transcreve Walter Benjamin: "... tente capturar o retrato da história nas representações mais insignificantes da realidade, em suas migalhas, por assim dizer."

O autor descreve os nossos cidadãos de então, no calor carioca com as suas casacas de lã e colete passeando no fim de tarde na estreita, mal-cheirosa, elegante rua do Ouvidor à procura de uma prostituta francesa, indo então de volta ao lar-sagrado-lar sonhando em rasgar a cidade com uma avenida larga e moderna, com prédios de fachada européia. E Needel o faz com a familiaridade de quem soube pesquisar em uma muito bem fornida bibliografia e, certamente, apaixonar-se pelo Rio, onde passou um par de anos lendo, conhecendo e entrevistando sua gente.

Descrevendo a reforma urbana da cidade velha com a construção da Avenida Central e seus prédios de fachadas art-nouveu afrancesadas, os clubes da moda, a amizade e compadrismo das famílias abastadas, as escolas mais importantes, suas casas, seus passeios, suas leituras, seus escravos, a sua cidade de veraneio, suas roupas, suas artes e seus amores, Needel mostra-nos um quadro de uma elite urbana reduzida numericamente, porém muito rica e poderosa. O que mais nos impressiona é a completa rejeição por parte de seus dirigentes e todo o enorme esforço cotidiano feito para se esconder o Brasil real com seu povo de várias raças e, sobretudo, pobre, para sonhá-lo o mais próximo da França, o modelo ideal de nossa elite cabocla daqueles tempos.

Para explicar o comportamento cotidiano da elite carioca de então o autor vai buscar o auxílio do conceito de Walter Benjamin de flaneur e do fetiche das mercadorias. Aí o autor deixa de dar maiores explicações do que seria uma tentativa mais profunda de se compreender as raízes dessa alienação e da completa falta de compromisso social e político dos dirigentes do nosso país de então. O que explicaria a completa cegueira diante das coisas que aconteciam no seu entorno enquanto se sonhava com uma Europa mais distante?

Certamente Belle Époque Tropical ainda não é o livro que explica tudo. Entretanto, é um trabalho de grande pesquisa sobre nosso modo viver na virada do século e, o melhor de tudo, prazeroso na sua leitura.

Hélio Bacha é assessor político e subsecretário de Meio Ambiente do DR-PT/SP.