Estante

Boas-Vindas à FilosofiaO ensino de Filosofia, no Brasil, tornou-se obrigatório há bem pouco tempo. Isso não significa que não tenhamos vocação ao filosofar nem boas produções na área. Mas esse detalhe tem fomentado o surgimento de inúmeros textos sobre o tema e trazido boas novidades ao meio. Entre essas boas notícias e novidades vem sendo editado pela Martins Fontes a coleção Filosofias: o Prazer do Pensar.

O projeto tem como objetivo apresentar a filosofia a partir dos seus diversos temas em livros curtos e tornar o exercício filosófico uma prática prazerosa. A coordenação é da filósofa Marilena Chaui e do professor Juvenal Savian Filho.

Chaui é uma de nossas intelectuais mais respeitadas, na atualidade, seja por sua produção, seja por seus posicionamentos políticos contundentes. Savian é um importante pensador de temas ligados à filosofia, com sólida formação acadêmica. É professor na Universidade Federal de São Paulo.

Das muitas publicações surgidas nos últimos anos, a Coleção Filosofias: o Prazer do Pensar mostra-se bastante eficaz e amadurecida. É simples, mas não simplória; curta, mas não escassa de informações e de profundidade nos temas tratados; de fácil acesso, sem se isentar de critérios críticos e visão de conjunto no seu todo. Cumpre muito bem o papel ao qual se destina: introduzir os diversos temas que perpassam o mundo filosófico. Nesse quesito, sai à frente de tantas outras existentes no mercado, pois já está em pleno acordo com as orientações curriculares do ensino médio de Filosofia. Isso ajuda significativamente aos pesquisadores de material para o desenvolvimento da disciplina na sala de aula. É um conteúdo claro daquilo que se quer da disciplina no ambiente escolar: fazer pensar, refletir, indagar, construir massa crítica numa sociedade que viveu adormecida e desatenta a isso nas décadas de sua ausência no currículo nacional, seja pela proibição, fruto do sistema ditatorial, seja por opção de muitos setores da sociedade que tinham como modelo educacional uma pedagogia conservadora e acrítica.

Um aspecto a ressaltar nesses pequenos livros é a forma como são abordados temas de difícil tratamento no mundo acadêmico e filosófico. Mesmo os mais “experts” filósofos por vezes se perdem na erudição. Isso não ocorre nesses pequenos livros, pois seus textos são leves e, ilustrados com passagens clássicas da filosofia, ganham ares suaves devido ao tamanho dos textos transcritos, possibilitando uma leitura quase recreativa da filosofia. Supera-se aquele aspecto “carrancudo” dos meios intelectuais, sem se tornar banal. A estrutura do texto traz ao leitor informações precisas sobre a filosofia e seus temas, além de possibilitar a construção do pensamento filosófico com abrangência geral, e mesmo sendo temática cumpre o papel de uma formação histórica, com a utilização de fragmentos de diversos textos clássicos e de diferentes pensadores e momentos da história do pensamento filosófico. É como se conduzisse o leitor numa academia filosófica, exercitando aqui e ali um tema que ao final resultará na construção de um corpus filosófico. Essa característica comum, em todos os volumes, cria algo imprescindível a toda boa coleção: o sentido de unidade ao projeto, possibilitando ao leitor começar pelo primeiro ou pelo último volume, pois o que experimentará será a mesma sensação de continuidade e uniformidade. Constrói no leitor aquilo que é muito escasso em nossos dias, nos diversos campos do conhecimento, que é um projeto de formação, tão parco e caro devido ao modelo de ciência positivista preponderante em todos os nossos campos de saberes e de formação.

Rapidamente chamo a atenção para dois volumes, o de autoria da própria Marilena Chaui, Boas-Vindas à Filosofia, por ser o texto de apresentação da coleção, e Argumentação: a Ferramenta do Filosofar, de Juvenal Savian Filho. Ambos representam muitíssimo bem o conjunto do projeto, pois, se no de Marilena a filosofia é apresentada com seus pressupostos originários e o fim a que se destina, no de Savian já se mostra como esse pensamento pode tornar-se metódico e ser construído a partir dos argumentos. A filosofia se constrói, não está terminada, não existe aleatoriamente, mas precisa ser pensada, elaborada.

Marilena Chaui demonstra capacidade admirável de nos levar ao mais profundo conhecimento das questões presentes no mundo filosófico e dos aspectos que comportam. Apresenta-nos as linhas gerais do pensamento filosófico, suas perguntas tão conhecidas e respostas às quais podemos chegar, fugindo do mundo da aparência e da ilusão, constituintes do lugar-comum, no mundo atual.

O Boas-Vindas à Filosofia abarca os diversos modos do acontecimento filosófico e como se tornam manifestações em nossa vida. Não se restringe a definir que filosofar seja perguntar. Apresenta os diversos aparatos que constituem um modo de viver a partir da filosofia como resultado de um conjunto de instrumentos que nos chegam através da tríade: análise, reflexão e crítica. Como diz a autora, a filosofia não é um “eu acho”, ou um “eu gosto de”. Vai muito além do superficial que se criou em torno dela. Constitui um sistema resultante daquilo que chamamos de trabalho intelectual preciso e rigoroso. É uma fundamentação teórica e crítica do conhecimento e da prática. Portanto, a atividade filosófica será necessariamente uma análise das condições e dos princípios do saber e da ação.

O livro Argumentação: a Ferramenta do Filosofar apresenta ricamente a arma de que é feita a filosofia. Nesse volume o leitor encontrará as formas de reconhecer e construir um texto propriamente filosófico. A intenção do autor foi plenamente alcançada, cumprindo com maestria o papel de mostrar como pode ser analisado e entendido um texto a partir de seu próprio movimento. Têm-se aqui material que proporcionará a qualquer leitor suporte para o entendimento de um texto, filosófico ou não. Isso faz com que possa ser utilizado tanto para a formação filosófica como para o aprendizado e a prática de uma boa escrita. O texto não se limita, portanto, ao estudo e ao ensino de filosofia. Esse volume é uma excelente introdução ao mundo dos argumentos, do como se constroem e se analisam os raciocínios.

É pertinente ressaltar que um dos pontos altos desse texto, assim como todos os demais da coleção, é a diversidade de passagens ilustrativas. Esse, especificamente, traz passagens de obras dos pensadores Aristóteles, Hobbes, Rousseau, Blaise Pascal, Martin Buber, Simone Weil, todos perfeitamente casados ao tema, demonstrando como se elabora a escrita de um texto filosófico a partir da argumentação coerente e bem construída. Nos fragmentos aristotélicos, o próprio autor exercita o método de análise do movimento de uma composição textual, mostrando como premissas, argumentos e conclusões são um instrumento do filosofar. É um texto didático e metódico no sentido de constituir uma forma de chegar à filosofia. Serve tanto ao aluno do ensino médio, e também ao de ensino superior em seus primeiros anos, quanto ao leitor cuja preocupação e necessidades acadêmicas sejam outras, contudo não menos importantes no propósito de aprender e conhecer como funciona o mundo da filosofia. Esse aspecto está presente em todos os volumes.

Contrariamente ao que afirma o dito popular, no todo a coleção poderá, sim, agradar a gregos e a troianos, desde que tenham o objetivo de começar um passeio por esses territórios dos temas e das questões filosóficas. Um aspecto que deixa a desejar decorre do próprio limite de tamanho dos volumes, em formato de bolso, entre 60 e 80 páginas, mas isso não compromete o projeto, pois seu intuito é introduzir temas e, por meio deles, a reflexão filosófica. Resolve-se essa pequena deficiência consultando as recomendações presentes, no final de cada livro, nas quais são apontadas referências bibliográficas para o aprimoramento de cada tema tratado, caso o leitor se sinta encorajado a filosofar, a partir desses aperitivos, com leituras mais profundas. Encontram-se disponíveis no mercado cerca de quinze volumes temáticos da coleção, cujo projeto pretende editar entre 45 e 50, nos próximos anos. Vale a pena conferir!

Euvaldo Cotinguiba Gomes é bacharel em Filosofia pela PUC-Campinas, licenciado na mesma área pela Unifai, São Paulo. Especialista em Gestão pela Faculdade de Economia São Luiz, São Paulo. Atualmente é professor de Filosofia no ensino fundamental e médio, em Vitória da Conquista (BA)