Estante

Realizações culturais da esquerdaO sociólogo Marcelo Ridenti, professor titular da Unicamp, é um autor obrigatório para quem deseja conhecer ou pesquisar a história da esquerda brasileira na segunda metade do século 20.

Em seu mais recente livro – Brasilidade Revolucionária –, Ridenti nos dá mais uma importante contribuição para compreender as realizações culturais da esquerda brasileira ao longo do século 20, reforçando a impressão de que as derrotas políticas desse campo não devem servir para avaliar a dimensão e a importância de sua contribuição propriamente cultural. Ridenti toma como eixo temático de seu livro uma categoria que, tradicionalmente, está associada à direita nacionalista dos anos 1920 e 1930 – a ideia de “brasilidade” – para demonstrar o quanto a esquerda, sobretudo a esquerda ligada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), teve um papel central na elaboração desse conjunto de representações do Brasil e dos brasileiros.

A partir da definição geral de “brasilidade” como busca da “propriedade distintiva do brasileiro e do Brasil” (p. 9), Ridenti procura compreender a dupla adjetivação – “brasilidade revolucionária” – como uma “vertente específica na construção da brasilidade”,  entrecruzando a premissa da revolução com a realização das “potencialidades de um povo e de uma nação” (p. 10).

O livro destaca o papel dos artistas e intelectuais, notadamente os comunistas do PCB, na construção da “brasilidade revolucionária”, analisando sua relação com o partido em suas complexas mediações e nuances, demonstrando que este não era apenas uma instância de controle, mas também convivia com a afirmação profissional desses mesmos artistas e intelectuais em outros espaços sociais. Seguindo a lógica do livro, a brasilidade foi um fator de mobilização política da esquerda e ajudou a formar uma estrutura de sentimento que foi além da militância, imbricando-se no que poderíamos chamar de “cultura brasileira”, expressa em seus cânones artísticos e no pensamento social.

A obra se divide em cinco capítulos. O primeiro resgata a trajetória de Everardo Dias como síntese das contradições e origens do intelectual de esquerda, do tenentismo ao comunismo, consolidando sua posição no PCB, mas submetido às suas vicissitudes políticas e geopolíticas. O segundo analisa os artistas e intelectuais de esquerda na Guerra Fria. O terceiro mostra o declínio do sentimento revolucionário de brasilidade da década de 1970, “na medida em que se esgotavam as bases históricas em que se inseriu” (p. 13). O quarto debruça-se sobre as canções e filmes expressivos da brasilidade revolucionária dos anos 1960, tendo como eixo a aporia entre temas agrários e artistas urbanos. Finalmente, o quinto capítulo analisa a recepção da obra Tudo que é Sólido se Desmancha no Ar, de Marshall Berman, no Brasil, tomada como sintoma de uma nova relação entre o intelectual, a política, a Nação e a indústria cultural.

Ridenti apresenta um grande levantamento dos artistas e intelectuais ligados, direta ou indiretamente, às organizações políticas de esquerda, sobretudo ao PCB, muitos deles nossos ídolos midiáticos. Foram e são nomes fundamentais na vida cultural brasileira a partir de meados do século 20, atuando em várias áreas e espaços de expressão e organização da cultura (TVs, rádios, cinema, música, sociedades literárias, imprensa). Com isso, o livro demonstra a importância desse campo artístico-intelectual na construção da própria imagem do país, para além dos próprios limites da esquerda.

Em um momento histórico em que as esquerdas carecem de uma política cultural consistente, muitas vezes pelo justificado zelo de evitar o dirigismo e a instrumentalização da cultura, o livro de Ridenti pode ser muito inspirador. Ao menos para aqueles leitores que amaram tanto a revolução, e continuam amando a brasilidade.

Marcos Napolitano é professor no Departamento de História da FFLCH da USP