Estante

A obra de Caio Prado Júnior foi um marco na história do pensamento brasileiro. Ao lado de Gilberto Freyre, autor de Casa-Grande & Senzala (1933), e de Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil (1936), Caio Prado Júnior marcou essa geração de grandes intelectuais brasileiros da década de 1930 com a publicação de Evolução Política do Brasil (1933).

Caio Prado Júnior partilhou – assim como inúmeros intelectuais de sua geração – da ousada preocupação de tentar entender a realidade brasileira como uma totalidade dotada de sentido, através de grandes obras de síntese. Essa perspectiva foi em parte abandonada pelas gerações seguintes, que, em nome de uma crescente especialização do conhecimento, passaram a produzir trabalhos de caráter cada vez mais fragmentário.

Não obstante, essa necessidade de compreender a realidade de nosso país em um sentido mais amplo permanece uma contínua e insatisfeita demanda. Nesse sentido saudamos o lançamento da instigante obra: Caio Prado Júnior: o Sentido da Revolução, de autoria do eminente historiador Lincoln Secco, publicada pela Boitempo Editorial, em setembro de 2008.

Escrever a biografia intelectual de um dos maiores historiadores brasileiros não é uma tarefa de pouca monta. Implica necessariamente escolhas metodológicas e opções de recorte epistemológico bastante complexas. Assim, a obra de Lincoln Secco se revela extremamente inovadora ao definir a dimensão política do biografado como eixo central. É importante ressaltar que a política foi a principal preocupação de Caio Prado Júnior, que sua obra foi essencialmente de intervenção política, através de uma intensa busca pela explicação do Brasil contemporâneo.

A partir da definição desse eixo fundamental que conduz a narrativa, Lincoln Secco, perseguindo a compreensão do biografado em sua totalidade, vai incorporando de maneira competente e harmoniosa as demais dimensões que compõem a trajetória intelectual e pessoal de Caio Prado Júnior.

As concepções históricas caiopradianas expressas, sobretudo, nas obras Evolução Política do Brasil (1933), Formação do Brasil Contemporâneo (1942), História Econômica do Brasil (1945) tornaram-se consensuais nos meios acadêmicos brasileiros, particularmente nos anos 1960 e 1980. Apesar disso, foi impedido de ingressar na universidade por três vezes: em 1954, quando concorreu à cadeira de Economia Política da Faculdade de Direito de São Paulo; em 1963, quando o governo estadual impediu sua contratação pela Universidade Estadual de Araraquara; e, em 1968, quando o governo cancelou o concurso no qual Caio Prado concorria para a cadeira de História do Brasil da Universidade de São Paulo. Dessa forma, o maior historiador brasileiro foi impedido de lecionar na universidade.

Certamente Caio Prado Júnior pagou caro por suas idéias, mas jamais renunciou a elas por mais que as constelações lhes brilhassem adversas. Membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) desde 1931, preso quatro vezes (1929, 1935-37, 1948 e 1970-71), eleito deputado estadual em 1947 (cassado no ano seguinte). As perseguições, prisões e esporádicos desterros jamais abalaram suas convicções e sua disciplina partidária. Apesar das inúmeras divergências teóricas (e políticas) que sustentou com os demais intelectuais do partido, manteve-se até o final da vida fiel ao ideal que abraçou ainda na juventude, quando se alistou no Partido Comunista do Brasil, PCB, Seção Brasileira da Internacional Comunista – IC.

Hoje, a decadente elite brasileira, incapaz de ocultar a grandiosidade da obra de Caio Prado Júnior, procura desnaturalizar seu pensamento tentando eliminar seu fio revolucionário. Nas insistentes abordagens acerca das divergências partidárias, criaram-se a imagem e o senso comum de Caio Prado Júnior como o brilhante intelectual perseguido pelo partido “obscurantista”. Tentam com isso desvinculá-lo post mortem dos ideais que o nortearam até o final da vida. Dessa forma, o resgate da dimensão política realizado com exímia competência na obra de Lincoln Secco representa, antes de mais nada, um acerto de contas com a história.

José Rodrigues Máo Júnior é doutor em História Econômica.