Estante

Chatô - O Rei do BrasilOs "barões da imprensa", como eles são chamados na sociologia da comunicação de massa, tornaram-se famosos a partir das duas últimas décadas do século passado, com o apogeu da imprensa escrita como fonte de poder. A explosão na tiragem dos jornais levou ao acirramento na disputa de mercado, à concentração da propriedade, à medida que os mais fortes engoliam os mais fracos, que os mais espertos tapeavam os ingênuos. Formaram-se, assim, grandes cadeias de jornais, dominadas pelo vencedor de um processo de seleção natural capitalista. Esse vencedor, naturalmente, sentia-se dono do mundo. Assis Chateaubriand foi um deles. Montou a maior cadeia de jornais jamais existente no Brasil, a dos Diários Associados, engolindo um jornal após o outro, criando emissoras de rádio e instalando a primeira TV no Brasil. Mais esperto ainda do que os barões da imprensa dos países centrais do capitalismo, Chatô fez tudo isso usando estritamente o dinheiro dos outros, e os favores do Estado. Foi amigo de todos os presidentes; sentia-se dono do Brasil, ou o "Rei" do Brasil, como prefere Fernando Moraes, talvez para enfatizar as arbitrariedades e o absolutismo, desse barão da imprensa tupiniquim.

A espécie dos barões da imprensa está hoje em extinção, uma vez que a TV substituiu os jornais como fonte de poder. O processo de concentração de mercados e de exercício de influência pela TV se dá por outros mecanismos, que privilegiam tipos mais discretos e organizações, no lugar de indivíduos. O último barão de imprensa a desaparecer foi Robert Maxwell, o extravagante dono do grupo Mirror de jornais e da Pergamon Press, cujo corpo foi encontrado no mar em abril de 1993. Não se sabe até hoje se ele se matou ou se foi assassinado. Sabe-se que entre seus golpes está a dilapidação de quase meio milhão de libras do fundo de pensões dos funcionários de suas empresas. Maxwell também brincava com a política mundial. Fazia espionagem militar. Um dos poucos sobreviventes dessa espécie é Rupert Murdoch, dono dos jornais sensacionalistas Sun e News of the World, e que comprou o prestigioso The Times, em 1981, por uma ninharia.

O mais famoso barão da imprensa, o arquétipo dessa espécie foi o magnata William Handolph Hearst, dono da cadeia Hearst de jornais, que chegou a aspirar a Presidência da República dos Estados Unidos. Nele inspirou-se Orson Wells, em Cidadão Kane. Entre suas extravagâncias, construiu um castelo hollywoodiano de cem cômodos, a um custo de 300 milhões de dólares para sua amante Marion Davies, atriz de cinema. Nosso barão tupiniquim deu capas de sua revista O Cruzeiro à atriz argentina Cora Acunha, por quem se apaixonou quando ela tinha apenas quinze anos; comprou um palacete de estilo esdrúxulo em Copacabana, a Vila Normanda, e gostava de carros importados. Apesar de tudo, um subdesenvolvido.

A tipologia dos barões da imprensa é curiosa. Foram todos inescrupulosos, extravagantes e maníacos. Como jornalistas eram geniais; tinham o jornalismo no sangue. Mesmo Chatô, que por falta de consistência ideológica não entrou para a história como um grande jornalista e sim como aventureiro, fez uma série de entrevistas espetaculares com personalidades européias durante a Primeira Guerra Mundial, entre as quais Kautski, que nunca recebia jornalistas. E, até o fim da vida, Chatô escrevia sempre, todos os dias, um artigo para sua cadeia de jornais. Os barões da imprensa eram detalhistas, movidos por obsessões e caprichos. Geriam seus negócios despoticamente, com notável brutalidade, temperada aqui e ali por lances de generosidade para com amigos especiais. Sentiam mais prazer no jogo sutil do poder indireto, da influência sobre os que detêm o poder formal, do que na acumulação do lucro capitalista. Tinham "o poder sem a responsabilidade, prerrogativa das putas de todos os tempos", numa frase famosa atribuída a Rudyard Kipling. Todos acabaram brincando com o jogo perigoso do poder. Eram também, quase todos, forasteiros, oriundos de uma outra comunidade, aventureiros, recém-chegados, que em audazes lances comerciais assumiam o controle de um jornal após o outro. Murdoch veio da Austrália, para tomar de assalto a Fleet Street inglesa, a rua dos grandes diários inglês. Maxwell veio do Canadá. Os ingleses chamam esses forasteiros que fazem fortuna, pejorativamente, de tycoons. Mesmo o Pulitzer, que era um jornalista escrupuloso, veio da Hungria, para assombrar o mundo do jornalismo americano, constituindo uma das primeiras cadeias de jornais. Chateaubriad, um rebento das elites empobrecidas do Nordeste, filho de funcionário público, veio para o Rio com o propósito deliberado de tomar de assalto o poder carioca.

Nessa primeira etapa de sua vida, Chateaubriand fazia tudo friamente, de cabeça pensada, investindo no futuro. Ainda adolescente, aproximou-se da poderosa família Lundgreen, dona de meio Nordeste, a maior anunciante dos jornais nordestinos, conseguindo, assim, seu primeiro emprego de jornalista. Percebeu naquele começo de século que para ter fama era preciso entrar numa polêmica grande e de caráter nacional. Tornar-se um polemista na era do apogeu do polemismo. Resolveu defender Oliveira Lima, seguidor de Ruy Barbosa, que vinha sendo acusado de antiamericanista pelos partidários de Hermes da Fonseca. Argumentou com tal força e virulência que o Jornal de Recife, no qual então trabalhava, recusou-se a publicar. Chatô mandou imprimir do próprio bolso, na forma de livreto. Gostou tanto que comprou outra briga, dessa vez com um dos maiores-intelectuais da época, Silvio Romero.

Após essa investida na arte da polêmica, o jovem Chateaubriand achou que já podia se aproximar das elites cariocas, do centro do poder. Com um diploma de advogado na mão, e precedido da fama de brilhante sentou banca no Rio e passou a defender os grandes magnatas do capital estrangeiro. Seu amor pelo capital estrangeiro, despertado na aproximação com a família Lundgreen, tornou-se ilimitado. Virou amigo íntimo de tipos como Alexander Mackenzie, do grupo Light, e Percival Farquhar, da Itabira Iron Ore. Os homens mais poderosos de sua época. Esse era Chateaubriand. Com o aval dessas amizades, foi comprar um carro estrangeiro, para impressionar e, depois, comprou seu primeiro jornal, O Jornal.

Chatô viveu intensamente o ciclo das revoluções tenentista, e a época das grandes invenções, desde o avião, pelo qual se apaixonou, até a TV. Lançou a maior campanha pública de compra de aviões e formações de pilotos jamais vista em qualquer país. Um mestre na arte da chantagem, usava seus jornais para aterrorizar a burguesia, arrancando dinheiro dos grandes empresários para a compra de aviões, que eram doados a aeroclubes em todo o Brasil. Gostou tanto de chantagear, que com base no achaque a empresários, passou a comprar obras de arte modernas para montar o primeiro grande museu de arte moderna no Brasil, o Masp. Foi uma jogada de, mestre, pois na Europa arruinada pela guerra, podiam se comprar obras primas a preços de barganha. Perseguiu impiedosamente os empresários que não se curvaram à sua chantagem, recorrendo, inclusive ao banditismo. Contratou pistoleiros para atirar num deles, Oscar Flues, que resistiu mais bravamente às suas ameaças.

Inteligentíssimo, Chateaubriand aprendeu alemão ainda jovem e virou germanófilo. Como a palavra de ordem das elites era ser americanófilo, mudou tranqüilamente. Nunca teve espinha dorsal ideológica. E, aos poucos, seu potencial intelectual foi sendo abafado pelo seu ímpeto carreirista, pela sua má-caratice, pela sua vocação gangsterista; sua formação como um "cabra-macho" nas guerras regionais intestinas. Teve uma vida amorosa pífia, uma vida familiar típica de gangster de Chicago. Maltratou sua primeira mulher, Maria Henriquetta, de quem logo se separou e perseguiu brutalmente sua companheira, a atriz Cora Acunha, para tomar dela a guarda da filha Tereza. Para isso, usou toda a sua influência, obtendo, do próprio Getúlio Vargas, um decreto presidencial mudando a lei da paternidade.

Chatô foi se tornando, aos poucos, um grande palhaço de sistema, cujas extravagâncias eram aceitas porque tinha o poder da imprensa. Tudo parece muito fantástico, muito irreal, vagamente não-convincente. Chatô não nasceu em Macondo, e sim em Umbuzeiro, na Paraíba, mas sua história tem o sabor do realismo mágico de uma América Latina de tiestas de hierro, ditadores, señoritos, magnatas estrangeiros, dandys cariocas e pistoleiros nordestinos. Tudo isso aparece claramente na biografia escrita por Fernando Moraes e essa é a sua maior qualidade. No entanto, ao contrário de Olga, sua obra-prima, a história de Assis Chateaubriand não é a melhor das narrativas biográficas. São 721 páginas de episódios desiguais, ora escritos cuidadosamente, ora de forma atropelada, sem uma hierarquia clara e sem unidade de estilo. Mais para o fim, a narrativa se torna anedótica. Fica a impressão de que Fernando Moraes juntou e tentou dar unidade a trabalhos de pesquisa de uma equipe de "n" pessoas. A história também começa por uma invenção de gosto duvidoso, para uma biografia, um delírio imaginário de Chateaubriand. Permanece em toda a narrativa a impressão de uma certa imprecisão biográfica, de unilateralidade de certas passagens, lacunas, buracos. Uma das mais notáveis é a recusa de Fernando Moraes em decidir se Chateaubriand roubou ou não parte do dinheiro que arrancou da burguesia brasileira para lançar sua grande campanha de aeroclubes.

Com exceção dos aeroclubes e do Masp, pouco ficou de edificante da vida de Chateaubriand. A maior rede de comunicação do Brasil, logo se desintegrou. Com o advento da televisão a natureza desse jogo do poder das comunicações mudou radicalmente. Nas democracias liberais avançadas, há limites formais ao poder de manipulação e mesmo ao grau de concentração das TVs. Já nas democracias precárias dos países periféricos, os Berlusconis e os Roberto Marinhos, não se contentam em obter favores do Estado, chantagear a burguesia ou ampliar seus impérios de comunicação. Assumiram o comando estratégico das classes possuidoras e tentam instituir a própria história.

Bernardo Kucinski é jornalista.