Estante

Vem a público o segundo número desta revista que os deslumbrados de la modernidad talvez considerem uma exótica sobrevivência de seres pré-históricos, condenados ao desaparecimento diante da própria incapacidade de adaptar-se às exigências da evolução mercantil. Os editores antecipam-se à crítica - aliás bastante previsível e repetitiva. Assim, o primeiro número previne: "nenhuma teoria teve a sua morte tantas vezes anunciada como o marxismo". Verdade que a cantilena fúnebre não se devia apenas à confusão entre desejo e realidade veiculada pela mídia ocidental-cristã-livre. Tinha a silenciosa colaboração das ditaduras burocráticas do Leste Europeu, com o seu socialismo exemplar... Questão que o marxismo, se quiser sobreviver, terá de enfrentar sem complacência.

Crítica Marxista tem um perfil, embora não desenhe ainda toda a sua cara. Parece adequado dizer que pretende centralizar suas forças na discussão da teoria marxista. Talvez até muitos daqueles que não comungam suas convicções concordem com a afirmação do marxismo como "instrumento teórico decisivo e insubstituível para análise e transformação da realidade social e contemporânea". Muitos, porém, argüirão que há marxismos, no plural, e que embora decisivos não são instrumentos únicos. De qualquer modo, o tom dos dois primeiros números promete acatar essa "abertura ao mundo", sem abrir mão de pontos de vista e sem escondê-los.

A publicação conta desde o nascimento com dezenas de colaboradores, incluindo um bom número de articulistas internacionais, traz logo de cara, ensaios de Terry Eagleton, La Grassa e Fredric Jameson. O cardápio do debate prometido parece bem variado - e preenche um espaço ideológico que, apesar dos já mencionados anúncios fúnebres, ninguém pode ignorar. Cada um dos números já editados traz um pequeno dossiê. No primeiro, Jorge Miglioli, Ricardo Antunes, Jacob Gorender, José Paulo Netto, João Quartin de Moraes e Márcio Bilharinho Naves discutem como o marxismo se revela capaz de entender a desagregação da União Soviética. Balanço de um passado recente. O segundo tenta interpretar virtualidades do presente: Florestan Fernandes, James Petras, Armando Boito Jr. e Emir Sader debatem a "atualidade do marxismo e da revolução".

O marxismo é daquelas "doutrinas" que negam o rótulo: só se desenvolveu onde se cultivou a divergência e a diferença. Valeria a pena mapear, no sentido literal da palavra, onde se produziu pensamento marxista criativo, fecundo. Não foi certamente lá onde ele virou "doutrina". Está aí um tema para a revista e para os seus leitores.

Para concluir, voltemos à imagem dos pré-históricos com que iniciamos estas notas. Parece comprovado que ratos e baratas resistem, melhor do que os humanos, diante de males como a poluição química e a radiação atômica. Os "dinossauros" da Crítica Marxista têm o atrevimento de tentar sobreviver como homens de antanho - ousam pensar. Podemos discordar (eu pelo menos discordo) de muitos deles, e de muitas de suas idéias. Ainda assim, creio que nos sugerem uma alternativa bem mais saudável do que adaptar-se rastejando, o que hoje parece sinônimo de "evoluir". Não se apressem a enterrar o marxismo. A terra utilizada tem se demonstrado sempre leve demais para impedir que retome a "velha toupeira" da história.

Reinaldo C. Moraes é professor na Unicamp.