Estante

Ditadura? Não, em Cuba há democracia de alta intensidadeAs agressões por parte dos Estados Unidos contra Cuba constitui uma das páginas mais vergonhosas da história. Desde o triunfo da revolução, em janeiro de 1959, o povo cubano soube cerrar as fileiras em torno da liderança revolucionária e resistir com denodo às terríveis ameaças, como a de invasão em 1961 (o episódio da Baía dos Porcos) e a de extermínio nuclear em 1962 (Crise dos Mísseis). Além disso, o povo cubano é vítima de constantes atentados terroristas planejados e executados a partir do território estadunidense. Até 2001 a CIA admite ter levado a cabo 637 atentados ou planos de assassinato contra o dirigente máximo da revolução, Fidel Castro.

Mas, ainda que se pese a gravidade de todas essas agressões, a pior é o bloqueio econômico imposto pelos EUA a Cuba. Quando este começou a ser implementado (em 1960), o então secretário adjunto de Estado dos EUA, Lester Dewitt Mallory, foi bem enfático quanto a seus objetivos: “Negar dinheiro e abastecimento a Cuba (...) a fim de provocar fome, desespero e a queda do governo”.

Do ponto de vista econômico, Cuba dependia totalmente das relações comerciais com os EUA. A produção açucareira era a “espinha dorsal” de sua economia e o mercado estadunidense seu principal comprador. Além disso, a ilha dependia fortemente de importações provenientes daquele país, incluindo combustíveis e alimentos. Com o embargo, a economia cubana só não mergulhou no mais completo caos graças ao crescente apoio soviético, principalmente a partir do final de 1960.

O bloqueio econômico sempre foi a peça-chave da estratégia de agressão estadunidense contra o povo cubano. Mas esse “bloqueio” também se estende a outras esferas da existência. Há mais de cinquenta anos os EUA se esforçam em isolar diplomaticamente Cuba. Há décadas o Departamento de Estado move uma campanha de desinformação e propaganda contra Cuba, que atinge os principais meios de comunicação do mundo. Mediante suborno, ameaças e, principalmente, cooptação ideológica, peças de propaganda disfarçadas de jornalismo são alardeadas com uma capilaridade impressionante. Mentiras e silogismos ganham espaços na mídia com uma consistência tão impressionante que envergonharia o próprio Goebbels.

Diante de tamanho bloqueio à verdade exercido pelos grandes meios de (des)informação, devemos saudar efusivamente o surgimento de obras como Cuba sem Bloqueio, de Hideyo Saito e Antonio Gabriel Haddad. Trata-se de um trabalho singular, no qual os autores traçam, em seus doze capítulos, uma cuidadosa e atualizada radiografia da realidade cubana. São abordados os principais temas que cercam a história recente dessa ilha caribenha: as transformações econômicas do chamado Período Especial e o recrudescimento do bloqueio econômico contra Cuba após a crise e dissolução do bloco socialista no início da década de 1990. As estruturas políticas e de participação popular também são analisadas, bem como os avanços nas áreas educacionais e de saúde. De uma maneira concisa, as principais conquistas da sociedade cubana, bem como suas contradições, dilemas e incertezas, são objeto de exame.

Creio que um dos pontos altos da obra consista na descrição das instituições democráticas da República de Cuba. Digo isso porque grande parte dos brasileiros, vítimas de décadas de campanhas de desinformação e intoxicação ideológica, não tem conhecimento que se realizam eleições para as 169 Assembleias Municipais (a cada dois anos e meio), para as quinze Assembleias Provinciais e a Assembleia Nacional (a cada cinco anos). A maioria dos brasileiros desconhece também que os Poderes Executivos (municipais, provinciais e nacional) são eleitos por essas Assembleias e que não é necessário ser membro do Partido Comunista de Cuba para participar de eleição (grande parte dos deputados da Assembleia Nacional não é filiada ao PC).

Os órgãos de (des)informação no Brasil escondem o fato de que em Cuba os mandatos não pertencem aos delegados e deputados, mas sim ao povo cubano, e por esse motivo têm de prestar contas periodicamente aos eleitores de suas circunscrições eleitorais, e estas podem revogar mandatos a qualquer momento. Tampouco a mídia brasileira informa que o voto em Cuba, apesar de não ser obrigatório, tem uma participação média de 97,1% dos eleitores nos pleitos municipais e 96,4% nos provinciais e nacional.

Além disso, todas as decisões importantes são amplamente discutidas pela população cubana. A título de exemplo, para aprovar as polêmicas medidas que marcaram as transformações econômicas do Período Especial, foram realizadas discussões em mais de 80 mil locais de trabalho, envolvendo cerca de 3 milhões de pessoas (numa população de cerca de 11 milhões de habitantes). Somente depois as medidas foram enviadas para aprovação na Assembleia Nacional.

Diante de tantas virtudes, não devemos nos surpreender por que a reacionária classe dominante brasileira insiste em fustigar caluniosamente Cuba como uma “ditadura”. Curiosamente, é o caráter avançado de sua democracia que os assusta, com seus altos índices de participação popular em todos os níveis. Paradoxalmente, ainda segundo eles, seria justamente esse radical caráter popular da democracia cubana o que possibilitou a país sobreviver à pior crise de sua história.

José Rodrigues Máo Júnior é professor doutor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo