O século 21 apresentou um fenômeno cultural tão novo quanto revolucionário: as redes digitais. Não é possível afirmar, com retidão acadêmica, que elas tenham surgido apenas nos últimos vinte anos, mas foi nesse período que ganharam relevância suficiente para se tornar um fenômeno globalizado e ao mesmo tempo político. Nesse sentido e para entender esse fenômeno, o livro Cultura, Política e Ativismo nas Redes Digitais é de grande auxílio. Os autores, pesquisadores de áreas das ciências sociais, da comunicação, que se dedicam ao estudo dos impactos das novas tecnologias de informação nos diversos âmbitos das sociedades contemporâneas, discutem diversos aspectos da sociedade e sua relação política com as redes digitais nos três grandes blocos que compõem o livro.
A primeira parte traz textos que abordam as novas tecnologias de comunicação como instrumento de promoção de ações coletivas e empoderamento da cidadania. Já a segunda retrata a interação entre aspectos políticos tradicionais e sua lógica de funcionamento frente a essas novas tecnologias. Por fim, o terceiro bloco fala da forma como as novas ferramentas propiciam o surgimento de novas identidades coletivas e processos vanguardistas em referências culturais.
Sérgio Amadeu da Silveira (UFABC), um dos organizadores, abre o livro apontando a importância e relevância dos novos mecanismos de controle e informação na política organizacional do mundo contemporâneo sob a luz de Foucault e Gilles Deleuze.
Ainda na tentativa de analisar a sociedade atual sob a ótica das novas tecnologias e as relações e interações de poder nos ambientes digitais, Henrique Parra (Unifesp/Guarulhos) demonstra com casos concretos a busca por espaço na ciberpolítica, através da atuação dos hackers. Henrique nos mostra como as novas tecnologias configuram essas novas formas de disputa política.
Lucas Milhomens Fonseca (Ufam) nos põe a pensar, a nós, de centros urbanos, em uma realidade completamente diferente: a Amazônia. A inserção dessa região do país com tanta história de luta – o autor cita Chico Mendes, mas é possível pensar em outros tão importantes quanto, como o cacique Raoni Metuktire, do povo Kayapó – no mundo do ativismo digital faz todo o sentido.
Lucas nos mostra como as redes digitais, através de ferramentas relativamente simples como blogs, são capazes de fazer exatamente o oposto do que pode sugerir um olhar desavisado sobre o tema, que é reforçar a identidade desses povos, além dos Povos da Floresta.
Claudio Luís de Camargo Penteado (UFABC), Rafael de Paulo Aguiar Araújo (PUC-SP) e Marcelo Burgos dos Santos Pimentel (UFPB), em “Sociedade civil e políticas públicas: o uso da internet pela Rede Nossa São Paulo na articulação política”, trazem um exemplo bem específico do uso da internet para as políticas públicas, além de demonstrarem com clareza a importância das redes digitais como estímulo ao debate político, o que deveria fortalecer a democracia.
Escrito em 2012, portanto antes das manifestações de junho de 2013, o texto não é capaz de prever a polarização que tem caracterizado cada dia mais as discussões e debates políticos mesmo em segmentos em que, em tese, a maturidade dos argumentos deveria ser maior. Nada que faça o texto perder seu valor, mas deixa aquela sensação de que as coisas, hoje, são mais complexas. Tanto pelo nível de engajamento em todos os aspectos (não apenas na sociedade civil) quanto pelas argumentações utilizadas no pós-jornadas de junho.
Sérgio Braga (UFPR) e Letícia Carina Cruz (UFPR), em “As tecnologias digitais e o mandato dos representantes: um estudo sobre o uso da internet pelos deputados estaduais brasileiros da 16ª legislatura (2007-2011)”, conduzem as argumentações no sentido da facilidade que as novas tecnologias de informação trouxeram. O barateamento dos custos dos ambientes virtuais, em contraponto à produção e comunicação industrial, permitiu o surgimento de produções de informações não baseadas na propriedade privada no mercado.
Essa diferença seria responsável também pela disseminação de um pensamento mais libertador e menos liberal. No entanto, estudos recentes da organização Interagentes revelam que tanto em junho de 2013 quanto nos atuais “panelaços” o discurso neoliberal, conservador é tão ou mais presente quanto os discursos progressistas.
Rafael Cardoso Sampaio (UFBA) e Camilo Aggio (UFBA), no artigo “A democracia digital do gabinete do governador: o perfil e os limites de um modelo consultivo de participação”, mostram um estudo minucioso sobre os aspectos positivos, progressos, além daquilo que carece de melhoria, na participação popular no governo Tarso Genro, em ambientes virtuais. Para isso, o objeto de estudo é a plataforma Gabinete Digital do então governador gaúcho.
Rafael de Almeida Evangelista (Unicamp) e Vanessa Oliveira Fagundes (Unicamp), em “Nova ciência, novos cientistas: interação, participação e reputação em blogs de divulgação científica”, produzem um estudo a respeito dos blogs de divulgação científica e analisam suas principais características. Para os autores, as plataformas digitais ajudam a transformar um ambiente majoritariamente de elite em um ambiente um pouco mais democrático e plural.
Lucia Mury Scalco (UFRGS), no texto “O desafio da conectividade e do acesso à internet pelas classes populares em perspectiva etnográfica”, faz uma análise das tribulações vividas pelas periferias financeiras em torno dos ambientes digitais.
Adquirir um computador é apenas o começo dos obstáculos que essas populações enfrentam. Em sua pesquisa, Lucia revela a dificuldade encontrada pelos usuários em funções tão simples quanto ligar e desligar os computadores, por conta de questões técnicas com suas máquinas.
Ativismo nas Redes é um livro que tenta abranger boa parte das perspectivas e olhares relativos à politização nas redes. E consegue fazer isso quase de maneira exemplar. As dificuldades ficam por conta justamente da velocidade com que os fatos ocorrem e de como esse cenário é modificado de formas cada vez mais radicais.
Por esse motivo o livro soa, algumas vezes, um pouco datado. Nenhum prejuízo, no entanto, à qualidade dos textos que o compõem. É um panorama essencial para quem procura entender as realidades digitais. Tão plurais quanto complexas.
Victor Amatucci é militante e editor do blog ImprenÇa (www.imprenca.com)