Estante

Muito se tem escrito sobre aqueles anos de chumboA leitura do livro A revolução faltou ao encontro – Os comunistas no Brasil, de Daniel Aarão Reis Filho, historiador e professor da UFF - Universidade Federal Fluminense - é obrigatória para todos os que quiserem contribuir para as reformulações que se fazem necessárias ao Partido dos Trabalhadores às vésperas do seu 1º Congresso.

Polêmico, ousado, contundente; Daniel mergulha fundo no estudo das organizações comunistas dos anos 60, traça um paralelo com as revoluções vitoriosas e resgata os grandes teóricos do marxismo-leninismo para concluir: "Pode parecer paradoxal, mas os dirigentes das revoluções vitoriosas foram ortodoxos (na preparação dos militantes e no culto aos mitos coesionadores) e heréticos (em momentos revolucionários decisivos). (...) Quando, porém, a revolução não acontecer as palavras dos comunistas girarão no vazio, tão patéticas e ineficazes como o motor de avião rodando desesperadamente no vácuo. Foi o caso dos comunistas brasileiros dos anos 60."

Daniel põe o dedo na ferida quando, analisando os mecanismos de coesão interna das organizações comunistas, desnuda os mitos da revolução, do proletariado e do partido.

Os comunistas se autoproclamaram vanguardas políticas, estados-maiores, possuidores de um projeto histórico e de princípios que lhes deram a legitimidade de lutar para tomar de assalto o poder. Afinal, eles representam os anseios do proletariado, que na verdade acabam substituindo e, se vitoriosos, tutelando política e ideologicamente a sociedade.

Curiosamente, apesar de todas as constantes reafirmações sobre as necessidades da direção estar nas mãos da classe operária, Daniel demonstra que a hegemonia, na verdade, esteve sempre com os trabalhadores intelectuais.

Por que tantas derrotas? Nossos comunistas teriam menos virtudes do que os companheiros da Sierra Maestra, dos sovietes de Petrogrado, do modelo de perseverança e luta do povo vietnamita ou do guerrilheiro da Longa Marcha? O texto responde: "...A comparação das experiências sugere a hipótese de que os comunistas brasileiros foram derrotados pelas semelhanças que os aproximam (e não pelas diferenças que os separam) das organizações e partidos vitoriosos."

Daniel, a exemplo de seu livro Imagens da revolução, em co-autoria com Jair Ferreira de Sã, baseou-se em farta documentação, em especial da matéria prima que permitiu a publicação de Brasil: nunca mais. Além disso, entrevistou dezenas de ex-militantes dos anos 60.

Em novembro de 1987, quando assisti a defesa da tese que o motivou a publicar este livro, fiquei profundamente incomodado porque, com uma trajetória política muito parecida com a de Daniel (movimento estudantil, dissidências comunistas, guerrilha urbana, Prisão), tive dificuldade em deglutir e em assimilar as duras, porém necessárias, conclusões do trabalho desse historiador que há anos vem produzindo, sistematicamente, estudos sobre as revoluções socialistas.

Profundamente crítico, um iconoclasta de esquerda, da própria esquerda, comprometido porém, até a medula, com a democracia e o socialismo.

É de se estranhar, portanto, a crítica feriria, até maldosa, feita pelo companheiro Carlos Wainer no nº 12 de Teoria & Debate. É inaceitável a afirmação de que Daniel resumiu seu trabalho em "recolher pacientemente riquíssima documentação e que deu por concluída aí sua tarefa de historiador: de posse do material, fez obra de ideólogo". Wainer não tinha o direito de desqualificar um trabalho de anos em apenas duas laudas.

Daniel não correspondeu às expectativas de Carlos Wainer porque o livro não analisa quais as "razões que levaram tantos desses jovens intelectuais dos grandes centros urbanos a esta admirável aventura". Talvez fosse o caso de procurar, ele próprio, a resposta desta questão que tanto o inquieta. Esse fato, porém, não lhe dá o direito de acusar Danieil de ter caricaturado os jovens através de uma análise igualmente caricatural.

O livro está na praça. Sua leitura ainda é a melhor resposta.

Paulo de Tarso Venceslau é membro do Conselho de Redação de Teoria & Debate.