Estante

Aloizio Mercadante e Marcelo Zero trazem em Governos do PT: um Legado para o Futuro uma retrospectiva das gestões petistas no governo federal. O texto foi produzido a partir de discussões internas e contribuições da assessoria da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) no Senado, da Fundação Perseu Abramo e do grupo de economistas do Instituto Lula, tendo reunido diversos especialistas sobre os temas abordados.

Trata-se de uma importantíssima obra para retomar o legado dos governos petistas e desfazer mitos sobre os governos de Lula e Dilma, entre os quais as ideias veiculadas de que eles teriam “quebrado o Brasil”, promovido uma “gastança”, criado o “maior esquema de corrupção da história”, como aponta a presidenta Dilma Rousseff no prefácio do livro.

Mercadante e Zero defendem que os governos do PT promoveram uma mudança no padrão de desenvolvimento econômico, colocando no centro a geração de empregos e a ascensão social dos mais pobres, combinada com instrumentos estatais em favor de maior dinamismo voltado à redistribuição. No livro, sustenta-se que são pilares desse novo padrão de desenvolvimento: a inserção internacional soberana;  o aprofundamento da democracia e da participação popular; a inclusão social com distribuição de renda; aumento das oportunidades para todos e a redução das desigualdades.

Os autores questionam a ideia de que o ciclo internacional de commodities teria sido o fator propulsor para o bom desempenho da economia brasileira nos anos 2000, apontando a importância dos investimentos públicos e privados articulados à conformação de um amplo mercado interno de consumo. Esse último, por sua vez, só foi possível pelas políticas sociais com viés para o combate à pobreza e a importância da redistribuição. Mencionam como resultados dessas políticas o Brasil ter saído do Mapa da Fome (ONU/FAO), a queda da mortalidade e a do trabalho infantil.

Partindo para os setores específicos, apontam que a educação foi tratada como prioridade e concebida como um bem público, estratégico e imprescindível para o desenvolvimento. Na saúde, os autores colocam como política de maior impacto o Programa Mais Médicos, e na habitação, o Programa Minha Casa Minha Vida. Para o desenvolvimento regional, tratam da importância da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), que reduziu desigualdades entre as regiões e ampliou, por exemplo, o acesso à água, com o programa que construiu 1,2 milhão de cisternas no semiárido nordestino. A seção sobre agricultura destaca os recordes da produção agrícola, o investimento em agricultura familiar e na reforma agrária. Sobre as políticas culturais, os autores apontam que a política cultural nos governos do PT foi pensada a partir da sua dimensão simbólica, da dimensão da cultura e da arte como um direito fundamental, e da cultura como um eixo essencial para o dinamismo da economia criativa. Quanto à política pública de prevenção e combate à corrupção, nos governos do PT a escolha de procuradores foi realizada de forma independente, nomeando os indicados pelo corpo técnico, além de fortalecer o Judiciário, criar o Portal da Transparência, entre outras medidas que aumentaram as denúncias de corrupção no país. Os autores mencionam que a Convenção da ONU contra a Corrupção considera o fortalecimento do funcionalismo público – tal como ocorreu durante os governos do PT1 – como medida preventiva contra a corrupção. Sobre a segurança pública, são elencados diversos projetos para o setor nos governos petistas. Sobre a sustentabilidade e proteção ao meio ambiente, destaca-se a ousada meta da presidenta Dilma, anunciada na COP 21 em Paris, de aumentar para 24% a participação das novas fontes renováveis (solar, eólica e biomassa) na geração de energia elétrica até 2030, com efetivos avanços de suas participações. Os autores também discutem a redução da vulnerabilidade externa e inserção internacional soberana do Brasil ao final dos governos do PT, que contrasta com sua vulnerabilidade aos choques em 2003. Sobre a defesa nacional, o Brasil também contou com a construção de uma Base Industrial de Defesa que, com o reaparelhamento das Forças Armadas, se tornou um pilar estratégico. A gestão dos recursos naturais estratégicos se caracterizou, segundo os autores, por um melhor aproveitamento dos recursos do país, como as terras agricultáveis, riquezas naturais e reservas de petróleo. A expansão do crédito também foi de enorme importância nesse período para alavancar os investimentos e o consumo. Mercadante e Zero  fazem, ainda, uma extensa discussão sobre o que tem sido desmontado com o golpe de Estado em cada uma dessas temáticas.

Os autores também desmistificam a ideia de que o PT teria “quebrado” o Brasil: mostra-se que a trajetória fiscal nesse período foi bastante sólida e que a piora do resultado fiscal em especial a partir de 2015 é fruto da queda da arrecadação e não do aumento do gasto do governo. Apontam a crise política e o papel da oposição, a atuação da Lava Jato ao paralisar a Petrobras e grandes empresas brasileiras, a queda dos preços das commodities, a crise da China, a seca, entre outros aspectos. No entanto, não é feita a associação de que uma das razões da queda da arrecadação dos gastos foi a adoção de um choque recessivo a partir de 2015, segundo Rossi e Mello (2017)2, composto por um choque fiscal que reduz as despesas públicas em termos reais, um choque de preços administrados, em especial nos combustíveis e energia, um choque cambial com a desvalorização brusca do real e um choque monetário com o aumento dos juros nas operações de crédito. Esse choque recessivo teve grande impacto na atividade econômica e na arrecadação.

Também são apontadas as transformações que vêm ocorrendo na economia e no mundo do trabalho que colocam limites estruturais a projetos de desenvolvimento, como a financeirização da economia, o papel da China, a globalização e o impacto de um novo paradigma científico, tecnológico e de inovações. No plano interno, os autores pontuam que reformas fundamentais como a política e a fiscal/tributária não ocorreram durante os governos do PT por impedimentos diversos e que isso representa entraves.

Conclui-se que o legado dos governos petistas “é generoso, profundo e consistente e, em algum momento da história, voltará renovado e revigorado”. O livro é um esforço necessário para recuperar e defender esse legado, mas há também nele elementos para aprimorar esse projeto para o futuro.

Ana Luíza Matos de Oliveira é economista (UFMG), mestra e doutoranda em Desenvolvimento Econômico (Unicamp), integra o GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp e o Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo