Estante

Estamos em greve! é uma análise da greve nacional dos bancários de 1985 em São Paulo. Esta greve destaca-se no conjunto dos movimentos grevistas dos anos 80 no Brasil por sua articulação nacional e rápido desfecho: em três dias de greve, a Federação dos Bancos dispôs-se a atender importantes reivindicações reunidas pelos sindicatos dos bancários de todo o país em pauta unificada.

Distinguindo-se de alguns observadores, Leila Blass voltou seu olhar para a forma de manifestação dos agentes envolvidos no movimento grevista.

Nas primeiras páginas do livro, a autora chama a atenção para o fato de que "os entrevistados falavam desta greve como se fosse uma festa", impondo-se a festa como problema de investigação.

A proposta de análise desenvolvida pode, sem dúvida, ajudar-nos a pensar outros movimentos coletivos que também apresentam aspectos lúdicos como, por exemplo, as greves de outras categorias profissionais, a campanha presidencial de 1989 e o recente movimento pró-impeachment. Nestes, a criatividade revela a autonomia dos manifestantes que se apoderam de espaços públicos, fazem enterros simbólicos, improvisações teatrais, inventam poesias, músicas, parodias e palavras de ordem.

O livro divide-se em três partes. A primeira problematiza a noção de greve que informa a maior parte dos estudos sobre movimentos grevistas no Brasil. Estes estudos fixam-se no institucional, no conflito, na consciência dos participantes ou "nas respostas mecânicas às condições de vida e de trabalho" (Elizabeth Souza-Lobo, citada por Blass).

Leila mostra a necessidade e a riqueza de se compreender um movimento grevista em sua forma de expressão cultural, que consiste também em um momento de transgressão das regras estabelecidas nos locais de trabalho e na sociedade. Dessa maneira, busca desvendar o sentido da greve e da festa, entrecruzando as condições políticas e econômicas da conjuntura nacional em 1985, as ações dos dirigentes sindicais, as práticas de trabalho e as representações coletivamente elaboradas pelos bancários sobre o cotidiano de trabalho, sindicato, instituições políticas etc.

Na segunda parte, a autora focaliza o perfil sócio-econômico dos bancários na Grande São Paulo, suas práticas de trabalho e a introdução de sistemas automatizados nos bancos a partir do final dos anos 60. Em seguida remonta a história sindical dos bancários dessa região entre 1978 e 1985, descrevendo as campanhas, o período de intervenção governamental, as lutas que antecederam a eclosão da greve, preocupando-se em relacionar as atividades culturais e sindicais.

Nesta reconstituição histórica destaca-se a diversidade de formas de mobilização utilizadas: o teatro de rua, rádio no ar, bandinha de música, blocos de carnaval etc. Leila identifica os elementos da conjuntura nacional, da cultura política e do cotidiano dos bancários que permitem compor o quadro político e social vivido por esses trabalhadores.

A terceira parte é uma análise detalhada do movimento grevista e seus desdobramentos principais. A partir da fala e da visão dos grevistas, Leila procura entender o fenômeno da festa na greve, relacionando-o com as formas de mobilização, participação e atividades culturais postas em prática. Mostra que um dos sentidos da festa decorre da possibilidade de se experimentar durante o movimento momentos de rupturas individuais e coletivas, abrindo um processo de reelaboração das representações sobre si mesmos, os outros e o trabalho que executam. O momento de ruptura interna assusta e amedronta mas, ao mesmo tempo, provoca satisfações que são comemoradas pelo conjunto de manifestantes em clima de festa.

Com sua análise, Leila adentra em um campo bastante desafiador para os estudiosos da história social e sociologia do trabalho, que diz respeito à cultura e subjetividade de trabalhadores e trabalhadoras como elementos constitutivos dos movimentos coletivos.

O mérito deste estudo está em conceber a greve não apenas como manifestação política e de confronto entre capital e trabalho, mas enquanto momento de expressão cultural onde se exprimem subjetividades. Nessa medida, levanta temas que podem contribuir para se compreender melhor as relações intersubjetivas presentes no sindicalismo e no movimento operário. Os momentos de luta não seriam comandados apenas pela razão mas também pelo medo, desejos, angústias vividos nessas lutas, individual e coletivamente.

Ao dirigirmos nosso olhar para os elementos culturais que orientam práticas e representações, poderemos apreender melhor a complexidade e heterogeneidade das experiências de luta dos trabalhadores na sociedade brasileira. A greve de 85 coloca em evidência esses aspectos, que ganham grande relevância no trabalho de Leila Blass.

Helena Bins Ely é aluna do PPG em Sociologia na UFRGS, monitora no Instituto Cajamar e colaboradora da Sese -SEEBSP/SP