Estante

Febeapá 1 - 1º Festival de besteira que assola o país, de Stanislaw Ponte PretaO humorista Jaguar já disse: "Se o Barão de Itararé é o avô do Pasquim, Stanislaw Ponte Preta é o pai". O Barão de Itararé tem sido muito citado, mas quem é esse Stanislaw? Podem perguntar os mais jovens. E com razão: morto em 68, de uns tempos para cá suas obras ficaram meio esquecidas, apesar de suas criações serem usadas regularmente. Por exemplo: "Samba do crioulo doido", para denominar mistura de canais ou conceitos, confusão ou qualquer coisa. É nada mais, nada menos que um samba mesmo, de autoria de Stanislaw, que fez muito sucesso na época, falando de um compositor do morro que recebeu como incumbência dos diretores da escola de samba fazer um samba-enredo falando da conjuntura nacional, essas coisas que os golpistas de 64 citavam sempre. Sem entender nada disso, ele fez o que pôde: "Foi em Diamantina, onde nasceu JK, que a princesa Leopoldina, arresolveu se casar...". E daí pra frente, só mistura de canais mesmo. Pirou!

Outra criação sua é o Febeapá - Festival de besteiras que assola o país. Humorista desde a década de 50, Sérgio Porto usava o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta e criou toda uma família que dava um toque divertido a suas crônicas diárias na Última Hora do Rio. Havia a Tia Zulmira, uma velhota que soltava grandes sacadas, apresentada por ele como ex-cozinheira da Coluna Prestes e com passagem por todos acontecimentos da história brasileira do início do século; o Primo Altamirando, o nefando, sujeito sem nenhum caráter; Bonifácio Ponte Preta, o patriota, e mais alguns. Em 1964, suas crônicas que tratavam do cotidiano passaram a ter um novo tom. O autoritarismo ridículo dos generais e seus prepostos (alguns por aí até hoje, como o então ministro do Planejamento, Roberto Campos), as suas trapalhadas, o estímulo ao dedurismo e o clima reinante, em que para arrasar a vida de alguém bastava acusá-lo de subversivo ou comunista, sem dizer por que, tornaram-se pratos cheios para a gozação de Sérgio Porto, que lançou então o Febeapá 1.

Algumas dessas crônicas, precedidas por uma longa série de citações de fatos marcantes do Febeapá e uma quantidade maior de crônicas não ligadas diretamente ao Febeapá viraram livro, em 1966. E agora, para quem quiser conhecer melhor e de forma divertida as babaquices daqueles tempos (hoje estaríamos no Febeapá 100, Febeapá 200, porque o Festival de besteira só tem ampliado), a Editora Civilização Brasileira lançou a 9ª edição do clássico de Stanislaw.

Não são só os militares e otoridades em geral, as pessoas gozadas por Stanislaw. O colunista Ibrahim Sued era alvo permanente dele, e fazia por merecer, pois apesar de não ser do governo era, já nessa época, um grande puxa-saco dos militares, e só falava besteiras. Lembro-me de uma nota de Stanislaw na Última Hora em que ele citava Ibrahim, que, em sua coluna social, reclamava que a casa onde nasceu Rui Barbosa estava caindo aos pedaços em Petrópolis. Stanislaw não deixou barato: "Só pode estar caindo mesmo, afinal, para ser transportada da Bahia até Petrópolis..."

Ibrahim lhe dava tanto material que certa vez ele rimou: "Ibrahim, Ibrahim, se não fosse você, o que seria de mim?".

Para quem quer uma amostra dos fatos que Stanislaw registrava no seu Febeapá, aí vão alguns: o diretor de Suprimento, em Brasília, proibiu a venda de vodca para combater o comunismo; em Niterói, a polícia apreendeu numa feira de livros vários exemplares da encíclica papal Mater et Magistra, como material subversivo; em Fortaleza, um colunista político publicou em seu jornal que metade dos vereadores da cidade eram ladrões, recebeu ameaças e fez o desmentido que agradou aos nobres parlamentares: metade da Câmara não era composta de ladrões; a delegacia de Costumes de Porto Alegre apreendeu vários livros que foram considerados pornográficos pela polícia. Entre eles, O amante de lady Chatterley. "Quando o delegado soube que o autor era súdito de Sua Majestade Britânica, contou Stanislaw, mandou devolver todos os volumes, explicando: "Nós não temo nada que ver, tche, com pornografia inglesa. Só com a nacional!"

Tomara que a editora relance toda a coleção. Tia Zulmira e eu, de 1961 (como o Febeapá, com ilustrações de Jaguar, ex-colega de Sérgio Porto como funcionário do Banco do Brasil), é uma beleza. Há ainda Garoto linha dura, do final de 1964, quando linha dura queria dizer adepto da direitona braba, e outros dois volumes, Na terra do crioulo doido e A máquina de fazer doido (como ele chamava a televisão).

Na 9ª edição de Febeapá 1, Jaguar atualizou seu prefácio, mas apesar de muito bom, acho que faltou uma lembrança, que não vi registrada em nenhum lugar por ninguém: como é que Sérgio Porto começou a ficar mal de saúde e acabou morrendo tempos depois. Lembro-me que, na época, ele fazia um show num teatro do Rio e, no intervalo, como sempre fazia, tomou um café de uma garrafa térmica que ficava em seu camarim. Só que o café estava envenenado. Pelo CCC ou por algum dos pau-mandados das otoridades policiais ou militares que ele tanto gozava. Teve que ser hospitalizado, não voltou depois do intervalo. E daí pra frente sua saúde foi piorando. Ou será que me falha a memória?

Mouzar Benedito é jornalista.