Estante

O processo de substituição de importações desenvolvido no pós-guerra favoreceu a ampla participação das empresas de capital estrangeiro no enorme mercado brasileiro, em contraponto à proteção dos mercados para as empresas aqui instaladas.

Não sem razão, o investimento externo direto (IED) e o aumento da participação das corporações multinacionais sempre estiveram no centro do debate sobre o capital estrangeiro no país. Se, por um lado, os investimentos estrangeiros haviam contribuído para a ampliação da capacidade produtiva doméstica e de geração de empregos, por outro, foram intensas as críticas ao extraordinário poder das multinacionais e a uma das conseqüências de sua expansão: a desnacionalização de recursos naturais e de setores chaves da indústria de transformação.

Além da ruptura com a democracia causada pela ditadura militar, vários outros fatores dificultaram o desenvolvimento desse debate no país. Primeiramente, a ampliação, nos anos 70, da disponibilidade de recursos dos países produtores de petróleo e dos países avançados, que favoreceu o brutal crescimento dos empréstimos bancários ao Brasil, reduzindo a importância relativa do IED. Logo depois, ao final da década, a elevação dos juros norte-americanos levou a que os EUA, até então grandes exportadores de capitais, se tornassem grandes acolhedores de IED e impulsionadores da profunda desregulação do sistema financeiro mundial. Com o agravamento da crise da dívida nos anos 80, romperam-se os fluxos de empréstimos voluntários ao Brasil e o país - como outros países devedores - tornou-se exportador líquido de capitais.

Com as vitórias de Collor em 1989 e FHC em 1994,o Brasil realiza, na década de 90, uma intensa e indiscriminada abertura comercial e financeira com o objetivo de atrair novos fluxos de capitais, inclusive sob a forma de IED, de maneira a financiar o déficit do balanço de pagamentos. Esta inserção passiva e subordinada deu-se no marco da ampliação da globalização financeira, produtiva, comercial e tecnológica no mundo, identificada pelos economistas do "pensamento único" como uma nova fase de "Renascimento", de expansão da razão e da técnica, movimento de per se benéfico ao país. Para estes defensores periféricos da nova ordem mundial globalizada, não necessitávamos de regras ou regulações do fluxo de capitais ou do investimento externo. Tampouco precisávamos de políticas ativas de comércio exterior e de defesa da produção e do emprego nacional, transformadas em anátemas pelo economistas colloridos e tucanos.

O livro de Reinaldo Gonçalves recoloca na ordem do dia a discussão sobre a vulnerabilidade externa da economia brasileira devida ao favorecimento indiscriminado ao ingresso de capitais e à presença incondicional de empresas estrangeiras. Critica a "ilusão renascentista" de nossos governantes, que festejaram irresponsavelmente a globalização como uma grande possibilidade de homogeneização das nações. Identifica nas políticas adotadas pelo governo FHC a responsabilidade pelos "graves desequilíbrios na economia brasileira (déficit nas contas externas e públicas, desmantelamento do aparelho produtivo nacional privado e estatal, desemprego etc.)" Com base em extensa pesquisa, o autor mostra como as atuais estratégias liberalizantes, nas condições da globalização econômica e financeira internacional, geram um acentuado processo de desnacionalização e de subordinação às estratégias e ao comportamento do capital internacional.

Com o conhecimento acumulado como economista na Unctad e professor e pesquisador no Instituto de Economia da UFRJ, o autor de Globalização e desnacionalização aponta para a importância da recente expansão dos fluxos de investimento externo direto e como estes transformaram-se em um dos principais temas do debate atual. A atual entrada de IED tem características bastante distintas do passado: vem sendo crescentemente determinada pelo processo de fusões e aquisições e dirigida sobretudo ao setor de serviços.

Por um lado o IED dirige-se principalmente à compra de empresas privadas ou públicas e acaba não tendo efeitos significativos na elevação da capacidade produtiva, mantendo taxas medíocres de investimento ou de formação bruta de capital fixo, assim como reduzindo a geração de empregos.

Por outro, se bem favoreça, no imediato, o ingresso de capitais, ao dirigir-se aos serviços, setor que não gera receitas em dólar, o IED gera pressões sobre o balanço de pagamentos, por meio da remessa de lucros e dividendos. Não menos importante, a atual entrada de IED pressiona a balança comercial com a compra de peças, acessórios, máquinas e equipamentos de seus tradicionais fornecedores no exterior, o que contribui fortemente para a desorganização da cadeia produtiva e do mercado de trabalho nacional.

Em resumo, ao contrário do ocorrido no pós-guerra, e embora mantida a vantagem brasileira do tamanho do mercado interno, os atuais fluxos de IED não têm tido efeitos significativos sobre a ampliação da capacidade produtiva, a capacidade geradora de divisas e de empregos. Em contraposição, ampliaram a vulnerabilidade e colocam o país em uma trajetória de instabilidade e crise.

Razão pela qual Reinaldo Gonçalves propugna, com pertinência, pela constituição de "novas estratégias e políticas nacionais capazes de maximizar as oportunidades e reduzir os problemas associados ao capital estrangeiro", revalorizando a capacidade institucional e regulatória do Estado. Não se trata, portanto, de nenhum espírito aprioristicamente contrário às empresas multinacionais, mas da necessária reconstituição de um amplo projeto estratégico nacional. Afinal, a manutenção das políticas de FHC "provocam incertezas críticas e riscos elevados quanto ao futuro do Estado nacional e, portanto, da democracia e da sociedade brasileira"

Jorge Mattoso é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Cesit, da Unicamp