Estante

Hip Hop A periferia gritaApesar der trabalhar com comunicação e gostar muito, infelizmente não cursei jornalismo. Caso tivesse optado por essa profissão, gostaria de cursado a Cásper Líbero. Primeiro, porque deve ser bacana aquele ambiente cheio de gente disposta a encarar o desafio de retratar o cotidiano e informar a população. Além disso, tem aquela coisa de estudar na Paulista, no olho do furacão. Quando o estresse batesse, seria só descer para as calçadas largas e se acomodar nas famosas “prainhas”, como são chamados os barzinhos nas imediações.

Não que sejam só flores, afinal, existem os desafios de quem está querendo entrar no mercado de trabalho, a busca pela efetivação, a correria pelo próprio sustento. Mas não deixa de ser um privilégio, já que só uma parcela ínfima da juventude tem acesso ao ensino superior.

Pois é, na Cásper, ou em qualquer outra universidade brasileira, o dia-a-dia, às vezes, nos impede de observar a distância que existe entre os privilegiados universitários e a outra juventude, formada por aqueles que compõem a imensa maioria. Pode-se até ter noção do que “rola”, mas são raros os trabalhos acadêmicos que conseguem romper com essa distância e efetivamente compreender as angústias e anseios daqueles que não têm chance alguma na vida.

Relatei minha admiração por essa faculdade e fiz questão de imaginar o dia-a-dia de seus alunos para passar o que na minha opinião é a primeira grande qualidade do livro Hip Hop – A periferia grita.  Escrever sobre esse livro é entender a distância, que todos sabem existe, entre o jovem universitário e a rua, e valorizar a audácia de três alunas de jornalismo. Janaina Rocha, Mirella Domenich e Patrícia Casseano, jovens brancas, cheias de perspectivas no mundo descrito mergulharam no universo do hip hop brasileiro para realizarem o trabalho de conclusão de curso.

Trocaram a vida universitária por lugares como os presídios de São Paulo, as cidades satélites do Distrito Federal, as praças Roosevelt e São Bento e as periferias dos nossos centros urbanos. Freqüentaram bailes e shows de rap e posses de hip hop. Impressionaram-se com a verdade dos Racionais MC´s, curtiram Thaíde & DJ Hum, sentiram o cheiro da tinta do spray utilizado por grafiteiros. Devem até, quem sabe, tentado embalar um break, sob a orientação do mestre Nelson Triunfo. Viveram, enfim, o dia-a-dia e a realidade do hip hop.

Essa vivência, com certeza, foi fundamental para que o livro conseguisse retratar todas as facetas do objeto em questão e, principalmente, observar a vida das pessoas em torno dele. A “vida louca” que Mano Brown descreve nos versos é louca mesmo, e até pior quando compartilhada por quem quer conhecê-la. Personagens que encontramos pelas páginas nos provam essa máxima. De Menor, Pulguinha, Escadinha e tantos outros são os exemplos do que o sistema de exclusão, injustiça e impunidade pode fazer com uma sociedade. Os efeitos colaterais desse mesmo sistema também são retratados pelo livro quando as três autoras contam as histórias dos manos e minas que hoje influenciam milhões por meio da palavra.

Além do realismo, as autoras expõem a determinação de não se prender às análises sociológicas para definir ou compreender do ponto de vista acadêmico se o Hip Hop é movimento social ou cultura de rua. Deixam essa discussão para outros. Elas nos sugerem uma explicação para o êxito de romper com a distância que as separava dos manos e minas e nos ensinam a valorizar o que está acontecendo de verdade, sem se preocuparem com rótulos ou títulos aceitos nos circuitos de bancas examinadoras das teses de pós-graduação.

Aliás, essa valorização de um aspecto tão capilar do comportamento do jovem brasileiro me surpreendeu quando li o livro. Nas andanças pela periferia de São Paulo e na observação das diversas realidades dos jovens que pautam o dia-a-dia da Coordenadoria da Juventude da capital, nos deparamos com situações como as descritas nos capítulos. É prioridade do trabalho da prefeitura com o jovem paulistano, assim como em outras administrações petistas, a relação com o hip hop. Entretanto, faltam obras que subsidiem o trabalho, ajudando os agentes públicos a transitar e, principalmente, entender esses fenômenos urbanos. Hip Hop – A periferia grita cumpre esse papel.

Alguns pontos negativos devem ser considerados também. O preço (R$ 25,00) é caro para que jovens identificados com o hip hop e os próprios personagens tenham acesso ao livro. Afinal devemos evitar que seja apenas lido por aqueles que povoam as “prainhas” da Paulista.  Além disso, a capa deixa a desejar. Seria interessante uma capa de mais impacto, mais dura, tal como é a realidade descrita na obra.

Mas acredito que as três autoras nunca mais serão as mesmas, depois das experiências que viveram. E, pelo que pude apurar, as batidas pesadas e os versos duros têm sido escutados até hoje nos toca CDs dos carros das promissoras jornalistas. E que a Cásper Líbero se apaixone pela verve desses outros jornalistas que retratam a realidade social do país da maneira mais contundente: contando suas próprias vidas.

Alexandre Youssef é advogado, coordenador de Juventude da Prefeitura de São Paulo