Estante

História Marxismo Brasil volume 5A simpática aventura editorial começou há cerca de doze anos: em 1991 foi lançado o primeiro volume dessa História do Marxismo no Brasil, que agora acaba de chegar ao quinto e penúltimo tomo.

A obra nasceu de uma idéia que foi proposta e aprovada no âmbito das atividades do grupo de trabalho “Partidos e Movimentos de Esquerda”, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Sob a coordenação de João Quartim de Moraes, num seminário realizado em Teresópolis, em 1988, foram tomadas algumas decisões a respeito da viabilização do projeto.

Em 1991, finalmente, foi iniciada a publicação, com uma série de ensaios dedicados a uma abordagem da repercussão inicial que tiveram no Brasil as idéias de Karl Marx (Evaristo de Moraes Filho), as concepções leninistas em sua versão stalinista (João Quartim de Moraes), o Sexto Congresso da Internacional Comunista (Michel Zaidan), o maoísmo e a Revolução Chinesa (Daniel Aarão Reis Filho), a desestalinização khruscioviana (Raimundo Santos) e a Revolução Cubana de Fidel Castro (Emir Sader).

O segundo volume, lançado em 1995, enfoca “os influxos teóricos”. Num trabalho dedicado ao estudo da história do marxismo, não se pode nem ignorar a atividade prática dos comunistas (que traduziam a doutrina na ação), nem subestimar a importância da teoria como tal, fazendo da teoria uma espécie de complemento mecânico da prática. Os colaboradores, então, precisaram se mover num terreno escorregadio.

Reconhecendo a abrangência das referências teóricas complexas, que tinham implicações de difícil avaliação nas condições brasileiras, os organizadores da obra resolveram dedicar às teorias também o terceiro tomo, que apareceu em 1998.

Nesses dois volumes, a saudável diversidade das análises ameaça tornar-se, pelo excesso, um amálgama um tanto confuso.

Alguns ensaios originais e excelentes são postos ao lado de textos algo repetitivos, como, por exemplo, aquele que está dedicado ao marxismo entre os socialistas brasileiros na passagem do século XIX ao século XX (e que pouco acrescenta ao texto de Evaristo de Moraes incluído no volume 1).

Em todo caso, os volumes 2 e 3 contêm trabalhos muito bons, como o de Paulo Eduardo Arantes sobre Gianotti nos anos 60, o de Celso Frederico sobre Lukács e a política cultural do PCB, o minucioso “mapeamento” da influência de Althusser no Brasil, por Décio Saes, e o ensaio de Carlos Nelson Coutinho sobre Gramsci no Brasil. Seria injusto não mencio­narmos também o artigo de Caio Navarro de Toledo a respeito do Iseb e o de Dainis Karepovs, José Castilho Marques Neto e Michael Löwy sobre “Trotsky e o Brasil”.

O quarto volume evoca as interpretações da realidade brasileira inspiradas pelo marxismo. São lembradas idéias de Nelson Werneck Sodré, Fernando Novais, Ciro Flamarion Cardoso, Décio Saes, Jacob Gorender, Florestan Fernandes e Carlos Nelson Coutinho, entre outros, em ensaios escritos por Lígia Osório Silva, Marcos Del Roio e por João Quartim de Moraes. Raimundo Santos escreveu sobre Caio Prado Júnior; Carlos Alberto Dória sobre a questão nacional; Ângelo José da Silva a respeito de Astrojildo Pereira, Otávio Brandão, Leôncio Basbaum, Mário Pedrosa e Lívio Xavier.

Entre os colaboradores, merece menção especial pelos méritos da sua contribuição, mas também pelos riscos de seus ímpetos polêmicos, João Quartim de Moraes. Comove-nos porém ao mesmo tempo nos faz sorrir sua disposição para atenuar as tolices ditas e feitas por revolucionários comunistas do passado, em nome do respeito que lhes é devido. Quartim parece ter dificuldade em aceitar que os grandes também cometem erros crassos.

Não deixa de ser curiosa, por outro lado, a insistência de Quartim em questionar a idéia da “democracia como valor universal”, tal como foi brilhantemente desenvolvida por Carlos Nelson Coutinho há vinte e tantos anos, polemizando com o ensaio que a expôs como se tivesse sido publicado agora. Como admirador da sensibilidade histórica de Quartim, este resenhador confessa que se sentiu um tanto perplexo.

Agora temos o volume 5, melhor estruturado que o 4, dedicado aos partidos e organizações que reivindicavam o marxismo dos anos vinte até os anos sessenta. Marcos Del Roio e Daniel Aarão Reis Filho reconstituem o movimento do PCB, Dainis Karepovs e José Castilho Marques Neto comentam a trajetória dos trotskistas. Margarida Luiza de Matos Vieira analisa a experiência do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Marcelo Badaró Mattos examina a Polop e Marcelo Ridenti se debruça sobre a Ação Popular (AP).

A transcrição de tantos nomes e a indicação de tantos temas foi a maneira que este resenhador encontrou para dar conta da riqueza das informações contidas na série e para a diversidade fecunda de interpretações. Essa História do Marxismo no Brasil nunca pretendeu ser um ponto final, a conclusão de uma viagem: o que ela queria – e conseguiu – era proporcionar um estímulo a outras pesquisas e incentivar outros pesquisadores.

Entre as muitas questões que ficam em aberto, uma pergunta que se destaca se refere à fraqueza da dialética na teoria marxista, tal como foi adotada entre nós. E aos que se sentirem tentados a explicar o fracasso do “resgate da dialética” pelo  subdesenvolvimento, Marcos del Roio adverte que o “resgate da dialética” também não foi muito bem sucedido em países tão desenvolvidos, tão modernos, como os Estados Unidos, a Inglaterra e a França.

Vale a pena ler o trabalho, atravessar os cinco volumes e aguardar o sexto e último tomo. Parabéns aos autores e organizadores.

(N.E) Os volumes anteriores são: História do Marxismo no Brasil volume 1 - O impacto das revoluções, de Daniel Aarão Reis Filho (org.), Ed. Paz e Terra, 1991; História do Marxismo no Brasil volume 2 - Os influxos téoricos, de João Quartim de Moraes (org.), Ed. Unicamp, 1998; História do Marxismo no Brasil volume 3 - Teorias, interpretações, de  João Quartim de Moraes (org.), Ed. Unicamp, 1998; e História do Marxismo no Brasil volume 4 - Visões do Brasil, de João Quartim de Moraes (org.), Ed. Unicamp, 2000.

Leandro Konder é professor no Departamento de Educação na PUC-RJ, autor de Walter Benjamin – O Marxismo de Melancolia, entre outros