Estante

Indignai-vosUma eterna pergunta retorna: livros fazem revoluções? Recentemente, um pequeno livro de Stéphane Hessel vendeu em poucos meses alguns milhões de exemplares na Europa. Seu título: Indignez-vous. A bela publicação coincidiu com a eclosão do movimento dos jovens espanhóis que ocuparam a Praça Porta do Sol em Madri e muitas outras e se fizeram conhecer como Los Indignados.

Nada mais surpreendente que um diplomata de 93 anos, nascido em Berlim, naturalizado francês, gaullista na juventude, judeu e resistente à Invasão alemã na França fale diretamente ao coração de seus jovens leitores. Ele conheceu um século de guerras sem fim e talvez por isso dedicou-se ao diálogo multilateral e aos direitos humanos e aderiu ao Partido Socialista Francês. No inverno de seus anos, entretanto, ele resolveu fazer um apelo à indignação.

O segredo do seu opúsculo é a linguagem apelativa, quase publicitária. A função conativa (como diriam os linguistas) centra-se no destinatário da mensagem. Simultaneamente, o autor escreve em primeira pessoa e traz o seu leitor para perto de si, estabelecendo um paralelo entre as dificuldades da vida atual e os motivos que conduziram alguns franceses a resistirem à ocupação.

Hessel retoma os motivos e feitos de sua geração, reafirma seu idealismo hegeliano sorvido em 1939 na Escola Normal da Rue D´Ulm, numa Paris marcada pelo Drôle de Guerre, como os franceses chamaram o período de meses de desespero diante de uma guerra que todos sabiam que viria, mas não chegava.

Aquela geração assentou as três bases pelas quais há motivos para lutar e que estão sendo solapadas pelo capital financeiro globalizado e por governos submissos a ele: o bem estar social (incluindo a previdência e o pleno emprego); os direitos humanos (sonegados aos imigrantes); e a paz. Por isso, seu chamado é para uma revolta pacífica de uma minoria ativa que possa fermentar a maioria.

Hessel sabe-o bem: não lidamos mais com uma pequena elite de fascistas bem conhecidos. Este mundo interconectado tem um inimigo aparentemente dissolvido.  Mas basta olhar bem, conta-nos o autor, e encontraremos motivos para nos indignar.

Embora o livro esteja sendo traduzido para várias regiões do globo, incluindo a África e a Ásia (o Brasil já conta com a publicação da Editora Leya), parece-me que sua força não pode ser a mesma fora da Europa. Na América Latina nunca houve aqueles motivos pelos quais os europeus estão indignados. Eles perderam coisas que nunca tivemos. Não tivemos respeito aos chamados direitos humanos universais, vivemos sob ditaduras sangrentas que foram exatamente a contrapartida das democracias do hemisfério Norte (de certa forma o “fascismo” aqui se prolongou); um Estado de Bem Estar nunca se concretizou; e, por fim, a rebeldia juvenil, muitas vezes pré-política (ou pós, diriam outros) resvala para formas violentas de insurgência.

Lincoln Secco é professor livre-docente de História Contemporânea na Universidade de São Paulo e membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate