Estante

capa de livroA imprensa alternativa atuante durante os quinze anos de ditadura militar tinha mesmo que despertar uma extraordinária afetividade coletiva. Pela coragem de sua oposição ao regime militar. Pelo contraste frente à complacência da grande imprensa para com a ditadura. Por ter de fato se tornado, como aponta Kucinski, o principal espaço de reorganização política e ideológica das esquerdas naqueles anos.

Protagonista importante da imprensa alternativa, o autor constrói a história dessa imprensa como sujeito que lembra, e como historiador que provoca as lembranças de outros (foram quase sessenta entrevistados). Procura confrontar com todo tipo de documento escrito aquilo que lembra e que convida outros a lembrar. Sabe que a meritória de cada pessoa está amarrada à memória do grupo, reconhece a dificuldade (senão impossibilidade) de reviver o passado tal e qual. Identifica lembranças contraditórias, discrepantes, que não podem ser reduzidas a uma versão única.

Um panorama inicial situa as condições de existência da imprensa alternativa, propondo uma periodização fundada nos diferentes arranjos entre seus protagonistas, deles com os leitores, com a sociedade civil, com os partidos, com os movimentos populares, mais do que nos marcos do regime autoritário.

A segunda parte da obra conta a história de O Pasquim, Bondinho, Ex, Versus, Coojornal e Repórter, tendentes à crítica dos costumes e à ruptura cultural, em detrimento do discurso ideológico.

Os jornais predominantemente políticos formavam uma outra grande classe de jornais alternativos. Discutiam os temas clássicos das esquerdas, o caminho da revolução brasileira. Eram em sua maioria pedagógicos, dogmáticos, pudicos. Na terceira parte de seu livro, Kucinski história os três maiores desses jornais - Opinião, Movimento e Em Tempo.

A questão do desaparecimento tão repentino dos jornais alternativos mereceu especial atenção. Esquivou-se o autor da resposta fácil e habitual que imaginava a resistência à ditadura como razão única da existência da imprensa alternativa. Para essa visão, os jornais alternativos não deveriam mesmo sobreviver ao regime militar. Kucinski tratou de examinar muitas outras razões para o fechamento dos jornais, desde a fragilidade da administração, organização e comercialização até a instrumentalização por partidos clandestinos na época. Examinou ainda o secretismo como instrumento de poder nas redações; divergências e rivalidades internas incontornáveis, decorrentes do embate de diferentes posturas políticas e pessoais; afrouxamento de laços com a sociedade, e até mesmo reações de recusa diante do processo de surgimento do Partido dos Trabalhadores, que de certa forma implodia o modelo leninista.

Bernardo Kucinski está mais do que à vontade na narração - essa forma artesanal de comunicação. O texto fluente e elegante seduz pela branda ironia, como quando agradece aos entrevistados pela candura de seus depoimentos, e pelo clima de cumplicidade que estabelece com o uso, por exemplo, de um termo como racha, que sobreviveu ao período autoritário e continua a descrever, em caráter íntimo, rupturas partidárias de monta.

Para os contemporâneos da imprensa alternativa, a memória que temos desses tempos já não será a mesma após a leitura de Jornalistas e revolucionários. A obra ajudará a todos na compreensão das relações entre imprensa, partidos, sociedade e Estado, na história recente do país.

Contribuirá para a compreensão da história do exercício do jornalismo nos tempos que correm e até, quem sabe, para um exame da atual imprensa partidária do Partido dos Trabalhadores, do qual participam tantos daqueles protagonistas da imprensa alternativa dos anos da ditadura.

Maria Otília Bocchini é professora da Escola de Comunicação e Artes da USP