Estante

O livro Juventude e Política, de autoria de Carlos Henrique Menegozzo, propõe, em termos gerais, entender a condição de juventude e sua relação com a mobilização política, à luz de um projeto de transformação social profunda. Partindo de uma visão marxista, o autor procura apontar “novos problemas e desafios à investigação científica e à prática militante”. Nos diversos ensaios e entrevistas reunidos na obra, Menegozzo demonstra domínio teórico da questão proposta e o cuidado em transitar dos conceitos à realidade. Além disso, adota um estilo de escrita que permite a compreensão por um público amplo, mesmo aqueles não familiarizados com os paradigmas teóricos que inspiram a análise.

Entre os principais pontos abordados, a obra investiga o conceito de juventude. O autor parte desse ponto rumo a uma investigação dedicada à condição de estudante, estabelecendo uma importante diferenciação entre o “aluno” e o “estudante” – diferenciação essa que nos permite entender as dificuldades que enfrentam muitas das análises sobre o movimento estudantil, as quais partem do pressuposto de que todo aluno é sempre estudante. Ancorado nessa perspectiva, Menegozzo apresenta então uma série de reflexões sobre a história do movimento estudantil, cobrindo o largo período compreendido entre o surgimento da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP em 1934 e a conjuntura imediatamente anterior ao golpe de 2016, incluindo reflexões sobre a história da UNE entre 1969 e 1973 e as manifestações de 2013.

O conceito de juventude, para o autor, oscila entre dois extremos: a juventude enquanto atitude diante do mundo ou estado de espírito; e a juventude enquanto classificação de faixa etária. Costuma-se entender a juventude também, muitas vezes, como um “momento de dedicação abnegada a uma causa”, o que acaba por restringir o papel dos jovens no processo de mobilização à condição de “tarefeiro”, principalmente através de uma perspectiva de classe. O autor apresenta diversas concepções de juventude para nos alertar que falta uma compreensão apurada por parte dos partidos e das organizações políticas dos “limites e potencialidades da juventude numa estratégia de transformação social”. Menegozzo aponta que uma das causas da “crise” seria a má compreensão das organizações e partidos em relação aos movimentos de juventude.

Na contramão dos marcos em que o debate sobre juventude e política se realiza no seio da militância, o livro oferece uma análise que busca uma abordagem totalizante do fenômeno. Menegozzo considera a condição da juventude como “um conjunto de determinados papéis reservados a grupos sociais específicos”, asseverando que é necessário levar em conta, em sua definição, fatores sociais, econômicos, psicológicos, educacionais e biológicos, tais como, por exemplo, situação de classe, condição de gênero, identidade étnica, e em seu devido contexto histórico, que é o das modernas sociedades capitalistas.

Merece destaque, dentre os fatores apontados, a reintrodução, por parte do autor, da condição de classe como critério de análise, o que possibilita a construção de um diagnóstico mais realista dos movimentos de juventude quando comparado às análises que partem apenas do pressuposto genérico de “massa estudantil”. Entende que nem todo aluno é estudante, ou seja, reconhece que nem todo aluno assume, automaticamente, os mesmos papéis no movimento estudantil ou as mesmas relações com as pautas de esquerda. Ignorando tais distinções seria muito difícil mapear a força do movimento estudantil, desde uma perspectiva de esquerda, na luta pelas mudanças estruturais na sociedade. E unicamente mobilizando o uso dessas ferramentas teóricas para analisar a materialidade da realidade, como as que Menegozzo oferece, é que um partido político conseguiria pensar em uma atuação bem calculada nos movimentos de juventude, visando a luta pelo socialismo.

As consequências da falta dessa reflexão na esquerda são igualmente apontadas pelo autor. Diante de um contexto de crescimento da população universitária, persiste nesse setor a ideia de uma “crise do movimento estudantil”, configurando o que Menegozzo define como um “aparente paradoxo”. Segundo o autor, devemos dirigir nosso olhar para a mudança do perfil dos estudantes nas universidades, levando em conta, entre outros fatores, sua condição de classe. Reconhecer e investigar tais mudanças e seus impactos no engajamento desses jovens seriam os primeiros passos no sentido de entender as causas dessa “crise” aparente – uma crise que é definida não como do próprio movimento, mas da esquerda, incapaz de interpretá-lo.

Em resumo, Juventude e Política é uma obra essencial para todos que pretendem atuar com profundidade no movimento estudantil ou pautar a mobilização da juventude na política. Os textos nos deixam muito certos de que parcela significativa dos problemas da mobilização entre jovens e estudantes é fruto de uma má compreensão do fenômeno por parte dos agentes que pretendem estimular e canalizar essa particular forma de engajamento. A partir da obra, é possível reunir uma série de conceitos e análises que nos proporcionam valiosas ferramentas para a construção de um trabalho de base real com a juventude no Brasil.

Gabriela Macedo Pereira de Souza é graduanda em Filosofia pela USP, filiada ao Partido dos Trabalhadores e militante da Juventude do PT (JPT)