Estante

Liberalismo e socialismoO livro reúne exposições e um debate realizados no Seminário Internacional Liberalismo e Socialismo: velhos e novos paradigmas, em abril de 1993, na Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, campus de Marília.

Como Tullo Vigevani esclarece no artigo introdutório ("Impasses do Pensamento Contemporâneo: A crise de Perspectivas"), a idéia da realização deste seminário surgiu de um grupo de professores da Unesp e de outros intelectuais. A preocupação central não poderia ser mais oportuna: examinar "quais propostas os críticos do capitalismo, em geral socialistas, tinham a fazer neste fim de século XX" (op.cit., pg.9).

Se o debate de caminhos alternativos ao capitalismo é antigo, a conjuntura dos anos noventa lhe dá motivações específicas: "a desintegração do chamado socialismo real, a ofensiva teórica do liberalismo, a chamada crise das ideologias, a cada vez maior desesperança que se apossou de muitas das sociedades do Terceiro Mundo, entre outras a brasileira" (pg.9). A partir destas dificuldades, os organizadores do Seminário foram levados "à busca, na reflexão contemporânea, de quais os pontos conceituais e programáticos que sugerissem alternativas politicamente significativas e densas àquele mundo que, nas décadas de 80 e 90, parecia e parece consolidar-se sempre mais, o mundo no qual o motor do progresso e da modernidade parece residir na lógica da acumulação capitalista" (pgs. 9 e 10).

Foram reunidos intelectuais brasileiros e convidados de outros países. Entre os brasileiros, tiveram contribuições incluídas no livro: Wolfgang Leo Maar, Edgard de Assis Carvalho, Marco Aurélio Nogueira, José Paulo Netto, Gabriel Cohn, León Pomer, Sérgio Silva, Antonio Carlos Mazzeo e Jacob Gorender. Dos convidados de outros países, Elmar Altvater (Alemanha), Ernest Mandel (Bélgica, falecido em 1995), Giacomo Marramao (Itália), Robert Kurz (Alemanha) Boris Kagarlitsky (Rússia). Desta maneira, participou do debate um conjunto bastante diversificado e representativo do pensamento de esquerda.

Apesar da variação das posições, é significativo que uma dificuldade básica fosse detectada por todos os participantes: há hoje um grande descompasso entre a crítica do capitalismo atual (bastante fácil de fazer) e a sugestão de alternativas factíveis que se contraponham ao rumo liberal predominante. A dificuldade aí é tão grande que justifica que alguns dos participantes do debate falem mesmo em "perplexidade". O capitalismo vive grandes problemas, inclusive ameaça a humanidade com catástrofes, mas parece até que se reforça com isso.

Se hoje é mais fácil fazer a crítica que encontrar alternativas, é natural que um dos pontos altos do Seminário tenha estado na demonstração da incapacidade do capitalismo liberal de atender às expectativas que cria (Boris Kagarlitsky, por exemplo, destaca os problemas nos processos de transição para o capitalismo na Rússia e no Leste europeu); e mais que isto, que a utopia liberal é claramente prejudicial à maioria da população (a este respeito, são expressivas as contribuições de Sérgio Silva, Ernest Mandel e José Paulo Netto). Gabriel Cohn diz com muita propriedade que "o mercado não é um princípio civilizatório, o mercado não organiza uma sociedade" (pg.32).

Mas no Seminário foi-se muito além de fazer a crítica do capitalismo e do liberalismo atuais e constatar dificuldades em encontrar alternativas. Foram debatidos alguns dos temas centrais para a formulação destas alternativas. Elmar Altvater faz uma análise bastante concreta das mudanças no trabalho que vêm acontecendo nos países industrializados; Wolfgang Leo Maar procura mostrar o equívoco da idéia de fim da sociedade do trabalho. Giacomo Marramao discute os paradoxos do universalismo, Marco Aurélio Nogueira a construção da democracia política.

São tempos em que o pensamento socialista vive uma crise e está claramente na defensiva. O próprio Ernest Mandel - um dos militantes socialistas mais otimistas que já houve - não se aventura a defender, na situação atual do mundo, mais do que um "otimismo moderado", que inclui mesmo um certo ceticismo, baseado na máxima "se atuamos, não temos nenhuma segurança de vencer, mas temos uma possibilidade"; "se não fazemos nada, estamos condenados" (pg.214).

Enfim, se é difícil ter mais do que um otimismo moderado e um tanto cético, os tempos são pródigos também em oferecer razões para continuarmos na busca de alternativas ao capitalismo. Talvez Sérgio Silva, na sua contribuição, tenha resumido da forma mais expressiva o que pode ser uma conclusão da discussão neste momento: "O capitalismo, de uma forma ou de outra, ainda vai durar muito tempo? Muito bem, a resistência ao capitalismo também" (pg. 114).

João Machado é membro do Diretório Nacional do PT.