Estante

O entendimento do significado preciso da Força Sindical, nascida em 1991, passa pela apreensão de pelo menos três dimensões presentes em sua origem e atuação dentro do cenário sindical brasileiro. Primeira: é uma central sindical que abraça o ideário neoliberal, em clara sintonia com as tendências mais nefastas do capitalismo das últimas duas décadas. É a nova direita, fortemente ideologizada, presente no sindicalismo dos anos 90, em clara sintonia com a mistificadora e jocosa onda Fukuyama. Segunda característica: além deste ideário, sua origem tem inteira sustentação na velha estrutural sindical brasileira, que precisava buscar novos caminhos de atuação, que não poderiam mais ser preenchidos pelo velho peleguismo. A Força Sindical operava esta simbiose entre o velho sindicalismo e as tendências mais nefastas do ideário neoliberal.

Mas há ainda uma terceira dimensão, necessária quando se quer entender a atuação da FS: trata-se de uma entidade sindical que, além dos pontos anteriormente citados, depende em grande medida da figura de sua principal (ou única) liderança: Luiz Antonio de Medeiros.

É exatamente nesta dimensão que o livro de Vito Giannotti se detém. Medeiros Visto de Perto é um retrato-reportagem daquela figura que inicia-se no movimento sindical como membro do PCB e hoje é braço direito da mais nefasta e truculenta direita brasileira, Maluf e cia. Vito Giannotti procura percorrer esta trajetória, tentando separar mistificação e realidade, ambas presentes quando se fala de Medeiros. Do seu "exílio voluntário" no Chile, passando pela escola de formação de quadros do (neo)stalinismo soviético, nos anos 70, até seu retorno ao Brasil quando estava nascendo o novo sindicalismo, ao qual Medeiros nunca se filiou. Desde logo foi escalado pelo PCB para aliar-se a Joaquim dos Santos Andrade, interventor junto ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. A primeira manipulação já estava presente: " ... de metalúrgico Medeiros não teve quase nada. Ele, em São Paulo, chegou a trabalhar poucos meses, na K.G. Sorensen e poucos dias em uma pequena fábrica, Metalúrgica Forin. Foi um emprego arrumado para que ele pudesse se disfarçar de metalúrgico... Hoje, no seu histórico, veiculado pela mídia, Medeiros ostenta o título de mecânico de manutenção na fábrica Gradiente. Na Gradiente, Medeiros nunca entrou para trabalhar. Foi um caso de estelionato e empulhação política", fato posteriormente relatado pela revista Veja.

De metalúrgico biônico ao gangsterismo sindical, foi uma trajetória rápida. Aliou-se a Joaquinzão, seguindo a orientação conciliadora do PCB para, uma vez na máquina burocrática sindical, ver-se livre dos dois: afastou-se de Joaquinzão e rompeu com o PCB. Foi então que, junto com Magri, deu início ao que se chamou sindicalismo de resultados, em verdade uma variante do bussiness unionism norte-americano, do sindicalismo de negócios. A sua aparência de apoliticismo, tanto apregoada pela FS, era, em realidade, a expressão mais politizada de um sindicalismo de extração burguesa, privatizante, inteiramente articulado aos interesses da ordem. A campanha militante pela privatização da Companhia Siderúrgica Nacional e demais estatais, bem como o apoio, até o fim, ao neoliberalismo corruptor e objeto do Collor, são alguns exemplos que pautaram a ação de Medeiros.

Vito Giannotti mostra toda esta trajetória, da qual Um Projeto para o Brasil, lançado em 1993, é a expressão ideológico-programática, e os convênios milionários com instituições controladas por Medeiros, como a sigla IBES (Instituto Brasileiro de Estudos Sindicais), é a outra expressão do gomperismo sindical brasileiro, nefasto e corrupto, inspirado na variante sindical norte-americana.

O texto traz um capítulo, bem como um anexo, voltado para esta face pouco difundida, pela mídia, sobre Luiz Antonio de Medeiros. (conforme documentação apresentada no livro pelo deputado estadual do PT, Luiz Azevedo).

Se a Força Sindical não conta hoje com a mesma presença intensa e sistemática na mídia, isto não se deve a nenhum "desvio" de rota daquela entidade, mas a uma arquitetura muito mais engenhosa e inteligente dos setores dominantes, sintonizada com a era do sindicalismo de envolvimento de tipo toyotista, em tentar "modernizar" (o correto seria falar em domesticar) o novo sindicalismo praticado pela CUT. O que, se viesse a ocorrer, tomaria desnecessária a existência da FS. Que, entretanto, permanece em plena disponibilidade para o capital.

Ricardo Antunes é professor da Unicamp e autor de Adeus ao Trabalho?