Estante

O lançamento do livro Mídia e política no Brasil é um fato auspicioso para todos que se interessam pelas relações entre os meios de comunicação e a política.

É uma seleção de oito textos escritos por Albino Rubim a partir de 1989. Neles, o autor, que é o atual presidente da Compós (Associação Nacional de Programas em Pós-graduação em Comunicação), professor e ex-diretor da Faculdade de Comunicação da UFBa, traz importantes contribuições em duas frentes: por um lado, por meio dos seus textos podemos acompanhar os embates políticos mais recentes no Brasil, como as eleições presidenciais de 89 e 94 e o impeachment; por outro, participar de um rico debate teórico sobre as relações entre mídia e política dentro das novas formas de sociabilidade que têm se construído na contemporaneidade.

Para o autor, o campo da mídia é um campo específico de poder no mundo atual, especialmente no Brasil, que tem poderes próprios, mas que se relaciona com outros. Poderes que estão ligados às forças políticas e econômicas dominantes mas que também podem vir das ruas. A compreensão desta complexa relação vem do entendimento de que os novos meios de comunicação e telecomunicações não são simples meios de transmissão de mensagens. Eles configuram uma nova forma de sociabilidade no mundo contemporâneo que o autor chama de "mundo mídia".

Ou seja, com sua expansão tentacular, a comunicação midiática "como um deus e sob as mais diversas formas (...) aparece na quase totalidade dos lugares e tempos sociais", com suas características de instantaneidade e simultaneidade que "reinventam vivências, alteram percepções, sensibilidades e processos cognitivos". Em lugar da convivência tradicional entre os humanos, temos a televivência que modifica a sociabilidade espacial e temporalmente.

É neste sentido que o poder da mídia vai muito além daquele de transmitir conteúdos de mensagens gerados em outros espaços, amplificando-os e potencializando-os. Mais do que meio de transmissão, a mídia é também meio de produção de bens simbólicos. Daí a mensagem ser apenas a ponta do iceberg "encoberto por um oceano de sombras e silêncios". Alterando a relação da comunicação interpessoal em que, em princípio, todos são falantes e ouvintes, a mídia procura expropriar os falantes, transformando todos em ouvintes. E, ao monopolizar o direito de falar, afirma seu primeiro poder que é o de publicizar ou silenciar os acontecimentos. Assim, só existe socialmente o que aparece na mídia. A visibilidade social fica, portanto, tendencialmente aprisionada e o espaço público passa a ser dependente de instituições privadas e regidas pela lógica do mercado. Neste sentido, a mídia, em primeiro lugar, agenda os assuntos que pretende serem os relevantes para a sociedade. Por outro lado, define os agentes (personalidades ou instituições) prioritários da política e contribui para a construção de suas imagens. E, finalmente, ao agendar temas e construir imagens individuais ou institucionais, vai também construindo cenários nos quais se desenvolve a disputa política. Todo este processo leva a uma concentração de poderes podendo chegar a uma situação que alguns autores caracterizam como de despolitização e até mesmo fim da política.

Rubim contesta estas concepções. Para ele, isto não ocorre obrigatoriamente porque a intervenção da mídia não se dá num vazio, e sim num meio social, com todas as contradições econômicas, sociais, políticas e culturais existentes. Além da tela de TV, continua existindo a praça. Efetivamente não existirá democracia se não houver uma democratização da mídia. Mas, reconhecer que vivemos em uma sociedade midiatizada não é aceitar que a política esteja anulada por sua lógica de mercado. Para enfrentar esta situação, é necessário saber utilizar a linguagem midiática, considerar sua existência em qualquer análise de conjuntura e incorporar a necessidade de ocupação de seus espaços nas estratégias políticas e eleitorais.

Estas questões são analisadas pelo autor à luz da história recente do Brasil. Um exemplo de combinação entre praça e tela e competente uso da linguagem midiática que promoveu uma politização da sociedade foi a Rede Povo, no horário gratuito de TV da campanha de Lula em 1989. Mas a própria candidatura de Collor, fortemente apoiada pela mídia, é vista também como uma competente construção política do grupo de Collor. Da mesma forma, a sua queda é vista como uma conjunção de desgaste social nos meios populares e sua incapacidade (já no poder) de dar credibilidade a um projeto político. É neste tipo de quadro contraditório que um tiro na mídia pode sair pela culatra. É o que ocorre quando a minissérie Anos rebeldes, independentemente da vontade da Globo, anima as mobilizações da juventude. Ou quando o chamado de Collor para todos saírem de verde e amarelo em sua defesa provocou as grandes manifestações com o povo vestido de preto. O livro apresenta também uma análise da eleição de FHC, assim como identidades e significativas diferenças no papel da mídia e das forças políticas na construção das candidaturas de Collor e FHC.

Enfim, são temáticas e opiniões polêmicas das quais se pode discordar, em maior ou menor grau, mesmo porque o consenso não é muito fácil nos estudos de comunicação. Mas a leitura de Mídia e política no Brasil é obrigatória para quem quiser compreender melhor esta relação e as disputas políticas mais recentes em nosso país.

Jorge Almeida é mestrando em comunicação na UFBA e membro do Diretório Nacional do PT.