Estante

Economia para Poucos: Impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil, organizado por Pedro Rossi, Esther Dweck e Ana Luíza Matos de Oliveira, é fruto dos esforços de mais de vinte estudiosos e pesquisadores entre economistas, educadores, cientistas sociais, agrônomos e urbanistas. Fruto também do tempo sombrio que encobriu o Brasil nos últimos anos, o livro discute as consequências, quase sempre perversas, das recentes políticas de austeridade na sociedade brasileira.

Em uma iniciativa raramente presente na literatura atual, o trabalho faz a ligação entre a discussão teórica da economia com as consequências sociais de sua prática. O conceito de austeridade e os mitos associados a ele são explorados no capítulo de abertura. Com argumentos simples e diretos, os autores desconstroem a frequente falácia de que o orçamento público é como o orçamento doméstico. Em primeiro lugar, diferente das famílias, por meio de impostos o Estado pode definir quanto arrecada. Em segundo lugar, o gasto do governo faz girar a economia e leva a um aumento da sua própria arrecadação. Ou seja, se a austeridade promete diminuir o déficit das contas públicas, na realidade ela faz justamente o oposto.

Desfeitos os mitos que baseiam a austeridade como política econômica, os autores mostram como esta é um duro golpe nos direitos e na qualidade de vida dos brasileiros. Os dados indicam que o Brasil, entre os países da América Latina, era o país onde a atuação estatal levava à mais forte melhoria da distribuição de renda. Os recentes cortes de recursos para as áreas sociais interrompem os avanços dos últimos anos e encaminham a retomada da concentração de renda em um dos países no qual esta já é uma das mais altas.

O livro se estende em vários capítulos discutindo os efeitos da austeridade na previdência social, saúde, educação básica e superior, proteção ambiental, cultura, segurança pública, habitação e agricultura familiar. A qualidade dos trabalhos em cada uma dessas áreas é notável, aprofundando o debate de um ponto de vista crítico sempre bem embasado em estatísticas e dados. A mensagem comum a todos eles é o efeito perverso de tais políticas – no altar da austeridade, sacrificam-se as vontades democráticas por direitos cristalizadas na Constituição de 1988. É assustador acompanhar os números em cada área e perceber o quanto se perdeu em tão pouco tempo. Para ficar apenas em alguns exemplos: houve aumento do número de pessoas abaixo da linha de pobreza, aumento da mortalidade infantil, aumento do desmatamento, aumento da dificuldade de acesso à educação superior, queda na qualidade dos serviços de saúde, diminuição do número de casas populares entregues, diminuição de recursos para os programas de combate à violência, aumento dos assassinatos no campo, e tantos outros números alarmantes.

A tragédia social no médio prazo da prática de austeridade em meio a uma das maiores crises da história brasileira é acompanhada por outra tragédia anunciada para o longo prazo: a Emenda Constitucional número 95 de 2016. Tema que perpassa muitos capítulos, essa emenda ata por vinte anos o aumento de gastos do governo central à inflação, constitucionalizando a austeridade e assim comprometendo o futuro desenvolvimento social brasileiro.

Os autores buscam ainda apontar alternativas em direção de uma política econômica que leve em conta os anseios democráticos por diretos básicos e por uma sociedade mais justa e igualitária. Defende-se a construção de um modelo de desenvolvimento que busque o crescimento com transformação social, isto é, que fortaleça os mecanismos pelos quais o Estado impacta na distribuição de renda e na qualidade de vida dos cidadãos, com o aumento de oferta de bens e serviços públicos, com transferência direta de renda e com uma tributação mais progressiva. Voltando ao nível macroeconômico, defende-se que a distribuição de renda e os gastos sociais não apenas visam enfrentar grandes e históricas chagas sociais na economia brasileira, mas são também fontes de demanda para dar sustentação ao crescimento econômico.

Economia para Poucos é leitura essencial para quem quer se aprofundar criticamente em um dos mais importantes debates político-econômicos desde a Constituição de 1988. Sua mensagem de denúncia aponta que a austeridade não entrega o que promete, mas, ao contrário, piora a vida dos brasileiros, especialmente dos mais pobres. Sua mensagem de esperança mostra que sim, é possível um Brasil onde o orçamento seja colocado a serviço da democracia, e, portanto a serviço da maioria.

Arthur Welle é economista e cientista social pela Unicamp com mestrado em Relações Internacionais, doutorando em Ciências Econômicas no Instituto de Economia da Unicamp e é pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon/IE)