Estante

Antes de tudo, a leitura de Caio Graco Prado e a Editora Brasiliense foi uma deliciosa porta de entrada às lembranças de juventude e, certamente, será a de muitos mais. Jovem dos arrabaldes, do A do ABC paulista, em 1975 fui aprovado no vestibular para a Universidade e comecei a frequentá-la no ano seguinte. Foi aí – já que a filial provinciana da Livraria Siciliano não dava mais conta de saciar minha ânsia de conhecimentos que então passou a tomar novos rumos – que conheci e comecei a frequentar a livraria da Brasiliense, na Rua Barão de Piratininga, no centro da cidade de São Paulo. Um iluminado palácio repleto de tesouros e, mais importante – algo que quase não mais existe em nossas big-extra-megas livrarias –, vendedores que conheciam tanto aquelas preciosidades como os assuntos das seções em que trabalhavam. Ali, até o fechamento da livraria em 1997 (a editora, como se sabe, continua atuando até nossos dias), pude acompanhar a produção da editora, chegando até, em companhia de meu saudoso amigo Fulvio Abramo, honrosamente ser integrado em seu catálogo.

Fundada em 1943 por Caio Prado Júnior [pai de Caio Graco e de Yolanda (Danda) Prado], Arthur Heládio Neves e Leandro Dupré, a Editora Brasiliense foi e permanece uma casa publicadora ancorada em princípios de esquerda e assim ela deve ser entendida no contexto desta obra.

É a atuação da Editora Brasiliense no período entre os estertores da ditadura de 1964 e a primeira década após o apeamento do poder dos militares e seus apaniguados, que é tratada em Caio Graco Prado e a Editora Brasiliense. O livro é indubitavelmente um formidável estimulante para compreender-se o papel de uma casa editora. E, sobretudo, através do estabelecimento da conexão que a Editora Brasiliense constrói com um público, em particular o juvenil, sedento em participar da discussão dos rumos que o país tomava naquela quadra de nossa história, depois de ser imbecilizado pelas tolices ideológicas propagandeadas pela ditadura dos militares e de seus amigos civis. Mas, mais que isso, pela compreensão de Caio Graco Prado, frente aos novos rumos que o capitalismo tomava em terras brasileiras com o fim do reinado dos militares e seus cupinchas desuniformizados, da importância de construir um aparato cultural para fazer frente aos novos tempos que se avizinhavam. Assim, era importante manter não apenas uma editora e uma livraria, mas um aparato comunicativo. No caso, o Leia Livros, um jornal no qual se debatiam as ideais suscitadas pelos livros e que circulou de 1978 até 1984. Até o golpe de Estado de 1964, a Brasiliense editava uma publicação de caráter mais acadêmico, a Revista Brasiliense. No entanto, no período tratado pelo livro, Caio Graco considerou que, mesmo mantendo a proposta da Revista Brasiliense de refletir sobre o Brasil, era necessário fazê-lo de um modo mais conveniente ao seu público-alvo de então, a juventude. Sem rebaixar suas preocupações e finalidades, Leia Livros fazia dos livros uma plataforma de discussão sobre os rumos do Brasil. Infelizmente, a crise econômica resultante da inépcia dos militares e seus sequazes sem farda não permitiu uma longa vida ao jornal e também dificultou a vida da editora, situação agravada com o precoce desaparecimento de Caio Graco Prado em 1992.

Leia Livros foi exemplar de uma tradição que hoje praticamente não mais existe na imprensa do Brasil, a da discussão de ideias. Hoje, como se sabe, sob o manto da “liberdade de expressão”, a chamada imprensa brasileira estabeleceu um monopólio do discurso neoliberal, isto é, um monólogo, se se preferir. Ela esqueceu que a verdadeira liberdade de expressão é um convite ao diálogo. Assim, o livro foi reduzido a uma mercadoria vinculada aos interesses culturais, econômicos e políticos da fração hegemônica no “mercado” e que é mensurada por listas e número de acessos nas chamadas “redes sociais”, sendo irrelevantes ideias ou consistência, bastando apenas “resenhas-releases”, com regras e cacoetes de marketing.

Organizado pela professora Sandra Reimão e pela editora Gisela Creni, Caio Graco Prado e a Editora Brasiliense traz textos de Flamarion Maués, Andrea Lemos, Marcello Rollemberg, João Elias Nery e da organizadora Sandra Reimão. Além disso, traz depoimentos sobre Caio Graco Prado e a Editora Brasiliense dados por Luiz Schwarcz, Marcelo Rubens Paiva, Eugênio Bucci, André Forastieri, João Batista da Costa Aguiar, Moema Cavalcanti, Moacir Amâncio, Pedro Paulo de Senna Madureira, Júlio Carlos Duarte, Luís Bernardo Pericás e o próprio Caio Graco Prado. Por fim, traz úteis anexos com dados sobre as Coleções “Encanto Radical”, “Primeiros Passos” e “Tudo É História”. Indubitavelmente, uma leitura estimulante e que certamente abrirá muitas portas.

Aos interessados, Caio Graco Prado e a Editora Brasiliense está acessível em Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

Dainis Karepovs é mestre e doutor em História pela FFLCH-USP. Coautor, com Fulvio Abramo, de Na Contracorrente da História (Sundermann, 2015) e autor de Pas de politique Mariô! Mario Pedrosa e a política (Ateliê; Editora da Fundação Perseu Abramo, 2017)