Estante

O preço da riquezaHouve apenas dois pontos de mutação energéticos na história da humanidade. O primeiro foi o advento da agricultura, com o domínio do fogo, durante o longo período que ficou conhecido como revolução neolítica. O segundo foi a transformação de calor em trabalho por meio da máquina a vapor, convertida por isso no símbolo da chamada revolução industrial. No início, essa transformação exigia essencialmente madeira e carvão. Mas foi no petróleo e no gás natural que se apoiou o crescimento industrial do quinto ciclo sistêmico do capitalismo, isto é, o ciclo comandado pelos Estados Unidos que muitos preferem chamar de fordismo.

O Preço da Riqueza, de Elmar Altvater, é uma reflexão teórica que aponta para o recurso à energia solar como única alternativa para a crise ecológica da humanidade, engendrada pelo aproveitamento das energias fósseis. Se este princípio tão cômodo não pode ser preservado, qual seria então a base energética da sociedade do futuro? A resposta do livro é inequívoca: "o fluxo permanente do Sol". A humanidade não tem mais muito tempo para encontrar uma nova base energética para o processo econômico ou para reorganizá-lo socialmente de modo a que necessite menos energia e que seja possível utilizar a energia solar.

O grande obstáculo a essa terceira revolução prometéica - para usar a feliz expressão de Georgescu-Roegen - é a radiação extremamente fraca da energia solar quando atinge o solo. São necessários investimentos desproporcionalmente grandes para captar energia solar em quantidade aceitável. Por enquanto, ela só se mostra competitiva em locais isolados, distantes das redes elétricas. Por isso, as empresas de energia solar vêm enfrentando muitas dificuldades. Basta uma redução dos preços dos combustíveis fósseis ou retirada de eventuais incentivos fiscais para que aumentem as falências.

É claro que a completa inclusão dos custos ambientais nos preços dos combustíveis fósseis alteraria bastante essa situação, incentivando mais investimentos em pesquisa solar. Mas nenhum governo chega sequer a cogitar tal medida, pois ninguém leva a sério as previsões de esgotamento das reservas fósseis. Muito menos se preocupa com o fato de que estamos queimando em alguns segundos um estoque que exigiu milhões de anos de fotossíntese para ser formado. E somente 0,06% da energia solar que atinge a Terra é utilizada pela fotossíntese para a produção líquida de biomassa.

Em nossa percepção, as jazidas de carvão mineral e de petróleo constituem hoje uma reserva cuja finitude é evidenciada pelo número previsível de anos durante os quais podem ser exploradas. Considerando-se apenas os poços de petróleo atualmente utilizados, o prazo seria de apenas 45,4 anos. Todavia, enfatiza Altvater, esse vencimento pode ser adiado porque o aumento do preço tende a tornar rentável a exploração de jazidas antes consideradas inaproveitáveis. Assim,"estima-se que 64 somente daqui a 250 anos a prospecção terá encontrado na finitude terrestre a última gota de petróleo e o derradeiro grão de carvão mineral" (pg. 46).

A revolução solar, defendida no epílogo como única alternativa para a crise ecológica da humanidade, não poderia ser tão longa. Mesmo duzentos anos - tempo que nos separa da revolução anterior (industrial) - parece-lhe um prazo demasiadamente longo. Por isso, o livro termina com as seguintes palavras: "Será preciso reivindicar um período menor para a implementação da revolução solar, caso contrário poderia acontecer de ela ocorrer numa Terra desabitada" (pg. 316).

Mas antes de chegar a tão sombria previsão, esse professor de Ciência Política da Universidade Livre de Berlim desenvolve em oito capítulos uma argumentação teórica de primeira linha. Explica conceitos da física termodinâmica que podem ser úteis às ciências sociais. Faz uma excelente descrição da globalização do chamado fordismo. Aponta os limites da economização da ecologia. E, sobretudo, mostra porque a expressão desenvolvimento sustentável eqüivale à quadratura do círculo.

Também é importante destacar que Altvater parte do pressuposto de que não haverá uma implosão do capitalismo por causa de crises sociais ou econômicas, distanciando - se, portanto, das previsões catastrofistas de um outro alemão que conseguiu um intrigante sucesso editorial no Brasil: Robert Kurz. O que ele não exclui, entretanto, é a possibilidade de um colapso do sistema ecológico global, com conseqüências sociais imprevisíveis.

A grande lacuna desse elogiável esforço teórico sobre a pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial refere-se à questão alimentar. Não há praticamente nenhuma menção ao atual debate sobre o futuro do sistema agro-alimentar, justamente a esfera mais sensível ao encarecimento dos insumos fósseis que certamente precederá a terceira revolução prometéica (ou solar como prefere Altvater).

José Eli da Veiga é professor da Universidade de São Paulo.