Estante

Não é difícil encontrar, em documentos sindicais ou em declarações de dirigentes dos sindicatos mais combativos, uma veemente defesa da liberdade sindical. Insurgem-se contra o "atrelamento" do sindicato ao Estado, contra a interferência deste na vida sindical, enfim, rejeitam a "tutela" dos sindicatos.

O discurso dessas correntes sindicais se revela inteira e decididamente contrário à estrutura do sindicalismo brasileiro, e exprime a intenção de travar uma luta implacável para destruí-la. Não obstante, a estrutura sindical oficial não apenas remanesce e até mesmo se reforça, mas – este é o ponto decisivo – perdura e se fortalece com o concurso direto dessas mesmas correntes sindicais que proclamam querer a sua extinção (independentemente do maior ou menor grau de consciência que possam ter disso). A rigor, vivem a ilusão de que, ao reforçar o aparelho sindical oficial, estão, na verdade, acabando com ele! Questão crucial que se encontra no coração mesmo do movimento sindical no Brasil, e que traz conseqüências de extrema gravidade para a luta dos trabalhadores contra o patronato e o seu Estado.

É ao exame rigoroso da ideologia sindical, que sustenta uma estrutura de sindicalismo de Estado, e à análise precisa dos elementos que compõem essa estrutura e de seus efeitos devastadores sobre o movimento operário, que o livro de Armando Boito Jr. se dedica.

Boito demonstra que o elemento fundamental que caracteriza a estrutura sindical no Brasil é a chamada "investidura sindical", isto é, a concessão pelo Estado da "carta sindical" através da qual ele confere ao sindicato o poder de representação e negociação. Configura-se, assim, um sindicalismo de Estado, não porque o sindicato seja "atrelado" ao Estado, mas porque o sindicato oficial é parte integrante do aparelho de Estado. A rigor, o sindicato no Brasil está subordinado à burocracia estatal, e esta subordinação decorre do fato de o sindicato ser um ramo (subalterno) do próprio Estado.

A este elemento decisivo se agrega a unicidade sindical, o sindicato único estabelecido por lei, a concessão pelo Estado do "monopólio legal" da representação de uma categoria por um determinado sindicato. Ora, a existência da unicidade sindical depende da existência da "investidura sindical”: "Para que haja unicidade sindical é necessário que o sindicato seja oficial e subordinado a algum ramo do aparelho de Estado, o ramo incumbido de deliberar qual é o único sindicato que representa um determinado segmento de trabalhadores. Dito de outro modo, a unicidade sindical é incompatível com a autonomia dos sindicatos diante do Estado. Esta autonomia pressupõe a plena liberdade para a formação de sindicatos, isto é, o direito ao irrestrito pluralismo sindical".

A unicidade sindical não se confunde com a unidade forjada pelos próprios trabalhadores em uma situação de liberdade de organização sindical. É ilusório pensar que a unidade legalmente obrigatória, mantida pelo Estado burguês, possa ajudar os trabalhadores em sua luta contra esse mesmo Estado e o patronato. Seria o mesmo que supor que o Estado pudesse organizar os trabalhadores para lutar contra ele mesmo!

Outro elemento derivado da "investidura sindical" é a contribuição sindical obrigatória, garantida por lei, e, portanto, assegurada pelo próprio Estado: "As contribuições sindicais obrigatórias por força de lei e extensivas aos não associados constituem uma espécie de poder tributário que o sindicato oficial, enquanto ramo do aparelho de Estado, detém. Sua importância na integração do sindicato oficial ao Estado reside no fato de tornar as finanças do sindicato e, por extensão, os seus recursos materiais e humanos dependentes da cúpula do aparelho de Estado. Do mesmo modo que a representatividade outorgada da investidura sindical, os recursos materiais do sindicato dependem do Estado e não dos trabalhadores . ...No caso da taxa assistencial, se é o próprio sindicato que arrecada, é, no entanto, o Poder Judiciário que garante a arrecadação". Muitas vezes, contra a vontade dos próprios trabalhadores! Como se vê, para que haja a cobrança da contribuição sindical obrigatória, é preciso que exista. previamente, um sindicato oficial, um sindicato investido pelo Estado do poder de representação.

Então, como se explica o apego de tantos sindicalistas a essa estrutura sindical? É que esses sindicalistas são prisioneiros de uma modalidade específica de ideologia, que Armando Boito Jr. denomina de ideologia do populismo sindical. Ela consiste na crença do Estado protetor, na convicção de que este pode e deve "ajudar" (ou mesmo substituir) os trabalhadores em suas lutas. Notadamente, se apegam aos recursos que o Estado lhes garante, e à possibilidade de solicitar dissídios e firmar convenções ou contrato coletivo, isto é, à "prerrogativa" de se submeter às decisões da Justiça do Trabalho (portanto, de se submeter ao Estado). Armando Boito Jr. conclui demonstrando que o sindicalismo de Estado cumpre a função de desorganizar os trabalhadores e de manter o movimento sindical sob a direção política da burguesia, evitando o questionamento da manutenção da propriedade privada dos meios de produção e da exploração do trabalho assalariado.

Márcio Bilharinho Naves é professor de Direito no Instituto de Economia da Unicamp.