Estante

Edição comemorativa da Câmara dos Deputados pelos oitenta anos do direito ao votPalavra de Mulher, Oito Décadas do Direito ao Voto é uma edição comemorativa da Câmara dos Deputados de 2011 pelos oitenta anos de conquista do direito ao voto das mulheres brasileiras. Com organização e textos de Débora Bithiah de Azevedo e Márcio Nuno Rabat, a obra faz um levantamento histórico fundamental da luta e conquista das mulheres pelo direito ao voto e pela representação política no Brasil.

Atualmente as mulheres correspondem a 52% da população brasileira e praticamente 50% dos votantes, segundo o Observatório Brasil de Igualdade de Gênero, mas esses números não correspondem de fato à sua representação na esfera pública, seja em número de candidaturas, seja na escolha dos votos. Em um levantamento feito pela Organização das Nações Unidas recentemente, o Brasil foi eleito o 111º país em percentual de mulheres em cargos legislativos, à frente apenas do Haiti e atrás de todos os países da América Latina.

Nesse sentido o livro é de grande importância, pois não só apresenta uma pesquisa profunda de quem foram e são essas mulheres que assumiram cargos públicos ao longo desses oitenta anos, mas também faz uma análise de como a sociedade estruturalmente patriarcal brasileira influenciou (e influencia ainda) diretamente a ascensão de mulheres ao poder.

A pesquisa abrangeu o período de 1932 a 2011, ou seja, da 36ª Legislatura até a atual, a 54ª, buscando mapear e registrar a trajetória de lutas e realizações das mulheres no Parlamento brasileiro dentro de uma linha de tempo. A obra é dividida em cinco partes, apresentando os principais acontecimentos históricos políticos, além de elencar grandes conquistas do movimento feminista nacional e internacional, o que nos faz pensar que a ascensão dessas mulheres na esfera pública deve-se muito às pautas e à atuação do movimento feminista.

Apesar de, em 1910, ter ocorrido a fundação do primeiro partido feminino (Partido Feminino Republicano); em 1922, a realização do I Congresso Internacional Feminista; em 1927, o Brasil ter a primeira mulher eleita no país, Alzira Soriano de Souza, prefeita de Lages (RN); o direito ao voto só foi concedido de fato às mulheres em 1932, com o Novo Código Eleitoral. Em 1933, a paulista Carlota Pereira de Queirós foi eleita a primeira deputada do Brasil e da América Latina, a única representante feminina entre 215 colegas. Foi reeleita em 1934 e cumpriu mandato até o fechamento do Congresso Nacional em 1937.

Depois de Carlota, o número de deputadas oscilou constantemente em cada legislatura, fato decorrente da grande turbulência política que o Brasil viveu durante o período da ditadura até a reabertura política para a democracia.

Dentro desse período é importante ressaltar o chamado Lobby do Batom, com a participação efetiva das mulheres na Assembleia Nacional Constituinte e a promulgação da Constituição de 1988. A presença feminina significativa, com um nível de articulação grande, mudou de fato a agenda legislativa e teve efeitos práticos. O debate acerca de questões como licença-maternidade, igualdade salarial, temas internacionais, violência doméstica e representação política deu um salto qualitativo, além de o número de deputadas ter mais que triplicado, de 8 para 29, na legislatura seguinte.

Carlota Pereira de Queirós foi a primeira das 175 mulheres que ocuparam e ocupam cadeiras no Legislativo até hoje. Relatar e sistematizar a história dessas mulheres é fundamental para a compreensão dos avanços e retrocessos da sociedade brasileira ao longo das décadas. Fundamental também para estimular outras pesquisas e produções acerca da participação política das mulheres.

Hoje a bancada feminina na Câmara é composta por 49 deputadas em exercício do mandado e, recentemente, pela primeira vez uma mulher foi eleita presidente do país e, igualmente inédito, abriu a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Também é a primeira vez que temos 25% de mulheres ocupando cargos no ministério, ministras com fortes posicionamentos políticos. Ainda pela primeira vez, temos uma mulher como titular da Mesa Diretora da Câmara.

Apesar de tudo isso, como é muito bem ressaltado pelos autores, depois de oitenta anos de direito ao voto ainda estamos contando “as primeiras”. No total, temos nesta legislatura quatrocentos deputados, ou seja, um número muitíssimo superior ao de oitenta anos atrás. O debate da reforma política com maior participação de mulheres se faz urgente e necessário.

Essa realidade apresentada nesta pesquisa nos leva a reflexão de que apesar do pioneirismo das brasileiras e de grandes conquistas alcançadas, o empoderamento político das mulheres ainda é um caminho longo a ser percorrido.

Mariana Rodrigues é militante feminista em São Paulo, formada em Relações Internacionais, fez pós graduação em gênero e sexualidade