Estante

A heróica batalha dos Petroleiros de PaulíniaÉ embaraçoso olhar para trás e encontrar a heróica batalha dos petroleiros de Paulínia durante a greve de julho de 1983. O presidente do sindicato era Jacó Bittar teve o mandato cassado pelo ministro Macedo. Naquele tempo, a categoria dirigida por Bittar lançou-se numa greve assumidamente política para derrubar os decretos do governo militar que golpeavam os trabalhadores das estatais e as estatais em si mesmas. A um mês da fundação da CUT - que ocorreria em agosto, em São Bernardo - os trabalhadores de todo o país, talvez os petroleiros ou os bancários do Banco do Brasil de forma destacada, levantavam-se contra as primeiras tentativas de privatização arquitetadas nos gabinetes do ditador Figueiredo.

Tempos grandiosos aqueles. Não havia petista que tecesse restrições a Bittar. Combativo companheiro! Não havia cidadão digno que alimentasse dúvidas quanto à pestilência do Executivo Federal. Os petroleiros se dariam conta, anos mais tarde, de que poderiam até mesmo "derrubar o governo". A onda "neoliberal", a coqueluche da atual corte brasiliana, estava em gestação. Já na época destinava-se antes a vilipendiar a coisa pública e só depois a sanear as contas da União. O sindicalismo "classista" (o termo foi colhido entre os militantes entrevistados pelos pesquisadores) procurava romper com o corporativismo. Ainda não havia o sindicalismo "de resultados", copyright by Medeiros, Magri e Azevedo. Tempos de glória. Pelegos fora (vade retro, Joaquinzão!), o mundo era claramente definido. Bandidos no governo, mocinhos fazendo greve.

É mesmo embaraçoso ler Paulínia: petróleo e política, pesquisa levada a efeito pela conjugação de esforços do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e do Sindicato dos Petroleiros de Campinas e Paulínia. Hoje, Bittar é prefeito de Campinas em enfrentamentos não mais contra as tropas do velho regime, mas contra os filiados do seu próprio partido. O governo federal posa de interventor do neoliberalismo, com ministros e propostos de competência suspeita. A recessão galopa sobre os cadáveres das boas intenções, a inflação recupera seu fôlego, a privatização sem critérios e nem princípios, sem decência nem eficiência, passa impune feito a caravana dos contentes. Já não se fazem mais greves como antigamente.

Enfrentando dificuldades técnicas como a inexistência de material impresso ou arquivos que permitissem o levantamento da vida sindical no ano de 1981 - e outras políticas - as entrevistas com Shigeaki Ueki, então presidente da Petrobrás, eram alternadas com as dos trabalhadores, e o ideal seria a organização de debates ao vivo - os pesquisadores recuperaram os últimos dez anos do sindicato.

"Reconstruir o passado é sempre vê-lo com outros olhos" mas, neste caso, os "outros olhos" são, em boa parte, os olhos mudados dos protagonistas do passado. A equipe de pesquisadores constituiu grupos de militantes que conversavam sobre os acontecimentos de que participaram de uma forma ou de outra. A esses colóquios, que serviam para descortinar, aos poucos, as várias tendências do mesmo sindicalismo, somaram-se como suporte as informações colhidas em O petroleiro, veículo oficial do sindicato, e na imprensa em geral.

O leitor mais chato, como é o caso deste resenhista, vai se ressentir da ausência de índices (onomástico, entre eles). Terá, com certeza, outras broncas. Algumas fotos que enfeitam o volume (quatro, ao todo) não se fazem acompanhar de legendas. Não se sabe quem (a não ser pelo bigode de Bittar), não se sabe quando e nem onde. Falta também uma exposição mais transparente sobre a condução da pesquisa: quantas pessoas foram entrevistadas e em que data.

Os mais curiosos vão se perguntar: de quem são todos os depoimentos que figuram entre as aspas ao longo do texto? Inútil. A metodologia adotada por Vinícius Caldeira Brant pauta-se por resguardar a identidade dos entrevistados.

Ex-presidente da UNE (gestão 61-62), Vinícius foi fundador do PT e da CUT. Seu engajamento na luta contra o regime militar o levou à prisão - da qual saiu, no início dos anos 70, para integrar o quadro seleto de pesquisadores do Cebrap. Ex-presidente da Associação dos Sociólogos de São Paulo, fundador e primeiro presidente do sindicato da categoria, soube aliar o comprometimento político ao rigor sociológico. Paulínia: petróleo e política é uma prova disso.

Em mais de um trecho do livro, nota-se o embate entre o basismo e o vanguardismo, "Vai chegar o dia em que vai ser todo mundo professor. Daí está bom", diz um militante consolando-se da incômoda tarefa de ter que dizer à massa o que é ou não é melhor para ela. Até hoje, nem PT nem CUT resolveram esta questão, assim como não resolveram o que fazer entre o estatismo inerte (corporativismo irrefletido) e a defesa intransigente da democracia (que pode perfeitamente incluir o desmantelamento de certos aparatos estatais). Em tudo isso, o livro não pretende jogar muitas luzes; não é teórico, afinal; mas ajuda a encarar as dimensões da escuridão.

Eugênio Bucci é editor de Teoria & Debate.