Estante

(...)“Vós que vireis na crista da onda
em que nos afundamos,
pensem
quando falarem de nossas fraquezas
também nos tempos de treva
que haveis escapado.
Andávamos então, trocando de países como de sandálias
envolvidos em lutas de classes, desesperados
quando havia só injustiça e nenhuma revolta.
Entretanto, sabemos:
também o ódio à baixeza deforma as feições.
Também a ira pela injustiça torna rouca a voz.
Ah, e nós
que queríamos preparar o chão para o amor,
não pudemos, nós mesmos, ser amigos .
Mas, vós, quando chegar o tempo
do homem ser parceiro do homem
pensai em nós com simpatia.”

A quinta edição de Poemas do Povo da Noite, do poeta Pedro Tierra, é uma publicação que nos honra muito.

Neste 2024, uma série de atividades marcam os 60 anos do golpe que instaurou uma ditadura militar por 21 anos no Brasil. Essa obra de Pedro Tierra (nascido Hamilton Pereira, como ele mesmo costuma dizer) contribui de modo indelével para a compreensão das lutas populares da segunda metade do século 20, em defesa da Democracia e justiça social.

Aquele golpe ainda é capítulo mal acabado da história, tanto que gerou outros golpes menores contra a classe trabalhadora nas décadas seguintes e culminou em outro mais sofisticado, contra Dilma Rousseff em 2016.

Como se vê em Poemas do Povo da Noite, a ditadura militar deixou marcas profundas em pessoas e instituições. Sob o arbítrio que pairava na América Latina e, em especial, no Brasil, a sociedade sofreu com perseguição, prisão e tortura a jovens estudantes, trabalhadores do campo e da cidade, religiosos e lideranças populares. Muitos daqueles ainda estão desaparecidos, sob o manto terrível da impunidade. Mas houve e continua havendo resistência.

Ler ou reler os versos de Pedro Tierra tende a significar libertação, alimentando a esperança de que podemos vencer, assim como o sol nasce todo dia depois de uma tempestade na escuridão.

Rogério Chaves, editor da Fundação Perseu Abramo