O professor Antonio Albino Canelas Rubim tem uma capacidade intrínseca de organizar talentos, estimular debates, ajudar na construção de conhecimentos novos. Seus alunos sentem nele, sempre, o estímulo para a pesquisa, a abertura para que ousem. Essa característica tem marcado sua riquíssima trajetória intelectual. Professor titular da Universidade Federal da Bahia, foi até há pouco diretor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos e é docente do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da mesma instituição. Dedicou-se durante largo tempo ao âmbito teórico da comunicação e política. De um tempo para cá, voltou-se para o campo cultural e recentemente, de modo especial, para a análise das políticas culturais sob o governo Lula.
O livro Políticas Culturais no Governo Lula é um exemplo de sua habilidade para organizar talentos e estimular a pesquisa. Por sua natureza abrangente, pode tornar-se referência. Quase trinta pesquisadores se dedicam à abordagem dos mecanismos de participação social na cultura, ao Plano Nacional de Cultura, às políticas de financiamento, aos Pontos de Cultura, ao audiovisual, à cultura digital, ao livro e à leitura, aos museus, às políticas internacionais de cultura, à diversidade cultural e ao patrimônio imaterial, entre tantos temas. Albino sabe que avaliar uma experiência em andamento é delicado, arriscado. Sabe, também, que é sempre uma ousadia que implica riqueza, até mesmo pelas tensões e problemas que suscita, por isso tudo registra.
Albino alerta os leitores que o livro não pretendeu seguir o caminho das comparações entre as políticas culturais do governo Lula e do de Fernando Henrique Cardoso. Busca investigar como o governo Lula tem procurado enfrentar, no campo da cultura, o que ele chama de as três tristes tradições das políticas culturais nacionais: ausência, autoritarismo e instabilidade. Não deixa de ser uma atitude cuidadosa, quem sabe uma boa intenção. Mas não se creia tanto nela. Afinal, mesmo que seja feita de modo implícito, a comparação acaba acontecendo, e às vezes também explicitamente. E, se a promessa fosse cumprida, o leitor fatalmente a faria.
A tradição da ausência diz respeito, no passado, à omissão do Estado no campo cultural, à inexistência de sua presença. Mais recentemente, sob o modelo neoliberal, representou a entrega da deliberação das políticas culturais ao mercado, como ocorreu sob a presidência de Fernando Henrique. O governo Lula conferiu ao Estado um papel ativo na cultura. E aqui uma informação, que já representa comparação, registrada no livro: em dezoito anos de vigência da Lei Rouanet, dos R$ 8 bilhões investidos, mais de R$ 7 bilhões foram de recursos públicos.
Sempre se procurou vincular autoritarismo e desenvolvimento de políticas culturais. Parece que democracia não combinava com cultura. O intenso diálogo aberto pelo governo Lula nesse campo enfrentou esta outra triste tradição, o autoritarismo. Na construção de políticas públicas na área de cultura, optou-se por seminários, câmaras setoriais, consultas públicas, conferências, incluindo Conferências Nacionais de Cultura, como as de 2005 e 2010. A sociedade pôde participar ativamente da elaboração das políticas públicas nessa área.
A tradição da instabilidade das políticas culturais vem sendo enfrentada com a implantação e o desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura, do Plano Nacional de Cultura e do Projeto de Emenda Constitucional que estabelece mínimos de 2% do orçamento nacional, 1,5% dos orçamentos estaduais e 1% dos municipais para o setor. Esse conjunto de propostas pode superar efetivamente a tradição da instabilidade e fazer com que as políticas culturais se configurem como de Estado, e não dependam apenas da correção ou boa vontade de um governo. É essencial, no entanto, que haja uma modificação substancial nas políticas de financiamento, subordinando-as às políticas culturais que atendam aos interesses da sociedade, e não às do mercado. Registre-se, ao final, como o livro e seus autores o fazem, que nunca antes na história deste país houve uma política cultural pública tão abrangente e capaz de trazer, em seu interior, tantas possibilidades de desdobramento para o futuro.
Emiliano José é jornalista e escritor, membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate