Estante

popinternationalismEste livro é inusitado sob vários aspectos. Para começar, porque ataca os autores best-sellers que discutem a globalização com total desprezo dos cânones da economia convencional. É o que Krugman chama de internacionalismo pop, no sentido de moderno e vulgar. Depois, porque o faz com a mesma arma utilizada pelos adversários, ou seja, linguagem fácil, deliberadamente didática, dirigida ao grande público culto mas leigo em economia. E, finalmente, porque no fundo é tão ideológico quanto os que o livro critica, embora mais contido e cauteloso na defesa de suas teses.

O alvo principal da ira de Krugman é Lester Thurow, presumidamente seu colega de MIT, embora haja vários outros, entre os quais Robert Reich, secretário do Trabalho de Bill Clinton e Laura Tyson, chefe da assessoria econômica do mesmo. O que todos têm em comum é a idéia de que boa parte das deficiências econômicas e sociais dos Estados Unidos se originam na globalização e na falta de políticas econômicas que tornem a economia americana competitiva no mercado mundial. Desde 1973, o crescimento econômico nos EUA desacelerou, a sua hegemonia mundial se debilitou, ao menos no plano econômico, a balança comercial e o balanço de pagamentos ficaram cronicamente deficitários, o desemprego aumentou, o salário médio estagnou e os salários dos menos qualificados sofreu sensível queda real. Tudo isso o internacionalismo pop atribui à superior competitividade do Japão e demais tigres asiáticos e também da Alemanha e de outros países da Europa, no mercado mundial e no mercado interno dos EUA. O que eles propõem é que o governo implemente políticas industriais e de comércio externo que tornem as empresas americanas capazes de competir com vantagem nos mercados globalizados.

O internacionalismo pop se baseia em fatos bem conhecidos: a invasão de importados da Europa, Ásia e América Latina; o fechamento conseqüente de conhecidas e inclusive afamadas empresas nacionais e o deslocamento da produção de muitas outras para países em que o custo da mão-de-obra é menor; a queda vertical do emprego industrial, sobretudo nos centros urbanos tradicionais que hoje formam o rust belt (cinturão da ferrugem); a decadência da classe operária e o surgimento de novos ricos oriundos da especulação financeira e da alta administração de transnacionais. Por isso, suas teses de que o governo deveria imitar o Japão e os novos países industrializados e promover ativamente a reindustrialização mediante a conquista dos mercados globais ganham atenção e apoio de boa parte do público. E com a eleição de Clinton à Presidência, também do governo.

Krugman discorda de tudo isso. Segundo ele, competição não se dá entre nações mas entre empresas. A analogia entre nações e empresas é falsa. Estas, por definição, têm que exportar toda a produção, já os países destinam a maior parte do que produzem ao consumo interno. O que é particularmente verdadeiro para os EUA, cujas dimensões continentais lhe proporcionam grande mercado interno. Embora lá também a parte comercializada - exportada e importada - do PIB (Produto Interno Bruto) tenha aumentado nas últimas décadas, quase 90% de tudo o que é produzido ainda é consumido no próprio país. O que por si só já demonstraria que a piora econômica não poderia ser causada por alterações no comércio externo.

Krugman acusa os internacionalistas pop de negligência no uso de dados numéricos. E nas respostas que recebeu deles, o descuido e a ignorância de conceitos dão-lhe oportunidade de gozar os adversários. A idéia, por exemplo, de que o país deve ser mais competitivo nos ramos de maior valor adicionado, confunde alhos com bugalhos. Estes não são os que empregam alta tecnologia mas os que empregam mais capital por trabalhador, ou seja, as indústrias de processamento contínuo, como as de cigarros e de refinação de petróleo. E Thurow, ao que diz Krugman, simplesmente quadruplicou o déficit comercial dos EUA, ao tentar justificar a importância que lhe atribui no agravamento do desemprego.

O método de Krugman para mostrar que a globalização não teve os efeitos que os internacionalistas pop lhe atribuem consiste em:

- exigir rigor conceitual e no uso de dados agregados;

- comparar os efeitos do comércio e do investimento externos com os valores globais referentes ao país inteiro.

Assim, ele insiste em que qualquer saldo de fluxos com o resto do mundo só pode ser coberto com saldo equivalente de estoques, seja este de títulos de dívida, de propriedade ou de moeda conversível. Se o capital foge dos Estados Unidos para, digamos, o Brasil, transferindo empregos de lá para cá, necessariamente o Brasil tem que ter um déficit em transações correntes igual ao superávit na conta de capitais. Em outras palavras, o Brasil só pode receber o capital externo sob a forma de mercadorias, de modo que tem de importar mais do que exporta. Ao fazer isso, o Brasil devolve aos Estados Unidos certa quantidade de empregos.

A falácia dos internacionalistas pop consiste em ignorar o conjunto das relações econômicas entre países, fixando-se em casos particulares, que são em geral objeto do noticiário jornalístico. A transnacional x fechou suas fábricas nos Estados Unidos e abriu outras no México, de onde exportará sua produção ao mercado americano. É óbvio que trabalhadores de Detroit ou Chicago perderam postos de trabalho, que foram criados do outro lado da fronteira, para trabalhadores mais baratos. Mas, ao abrir estabelecimentos no México, a transnacional importou equipamentos dos EUA e contratou firmas de engenharia e de projetos também nos EUA não só para montar as novas plantas mas para desenvolver novos modelos a serem nelas produzidos. Desta maneira, inversão estrangeira cria e destrói empregos no país de origem, além de criar empregos no país de destino.

Na realidade, a vantagem da crítica de Krugman está em forçar a discussão sobre a grande complexidade das questões, castigando com razão os que defendem conclusões que parecem óbvias mas se baseiam em generalizações falsas. Ele acha que a inversão externa não eliminou empregos nos EUA, mas contribuiu para reduzir o número de empregos de baixa qualificação e aumentar os de qualificação mais elevada. Este é o pressuposto da chamada economia convencional: países mantêm relações de intercâmbio porque têm diferentes dotações de recursos, o que lhes conferem diferentes vantagens comparativas. Cada país tende a importar o que não pode produzir ao menor custo, pagando estas mercadorias com outras em cuja produção o seu custo é o menor.

Krugman sustenta que o comércio entre o Primeiro e o Terceiro Mundos tem por base a abundância de mão-de-obra qualificada no primeiro e de não-qualificada no último. A inversão do Primeiro no Terceiro transferiu a estes um certo volume de empregos que requerem a qualificação que os países subdesenvolvidos possuem em grande quantidade e, por isso, é barata. Em compensação, estes países importam bens e serviços que exigem trabalhadores mais qualificados, que os países desenvolvidos possuem em abundância. Portanto, a globalização não agravou o desemprego nos EUA, mas "poderia, em princípio" ter contribuído para a deterioração dos salários dos pouco qualificados em relação aos dos mais qualificados. Mas, para verificar se esta possibilidade de fato ocorreu, Krugman recorre ao segundo método, ou seja, compara as mudanças havidas na estrutura de emprego e de salário dos EUA nas últimas décadas com as que poderiam ser causadas pela globalização e conclui que estas últimas são muito pequenas, na prática insignificantes.

Esta conclusão era, até há pouco, compartilhada pela maioria dos estudos empíricos sérios, empreendidos pela economia convencional. Mas, em 1994, surgiu um estudo alentado que demonstrou que os efeitos da globalização sobre a estrutura do emprego foram subestimados, sendo de fato dez vezes maiores no Norte (Primeiro Mundo) e cinco vezes maiores no Sul (Terceiro Mundo). Trata-se do livro de Adrian Wood, North-South trade, employment and inequality, Oxford, Oxford University Press, 1994. A controvérsia é metodológica. O efeito sobre o Norte se este produzisse as manufaturas que importa do Sul. Só que este número é calculado à base do emprego nos mesmo ramos do Norte, como se estes continuassem fabricando as mesmas mercadorias que são importadas do Sul. Mas, segundo Wood, a maior parte delas não são mais produzidas ao todo no Norte e na produção das semelhantes - que continua -, a tecnologia mudou, utilizando-se muito menos trabalhadores não-qualificados para reduzir custos e enfrentar a competição dos produtos importados, Wood calcula o impacto da globalização sobre o emprego a partir de médias entre o emprego de trabalhadores não-qualificados no Norte e no Sul e chega assim aos resultados acima referidos.

A metodologia de Wood está longe de ser aceita por todos, mas tem o mérito de revelar a fragilidade das estimativas quantitativas, em que Krugman deposita tanta fé. Na realidade, a economia convencional, em cuja defesa Krugman se empenha, trabalha a maior parte do tempo com dados duvidosos e incompletos e com pressupostos simplificadores heróicos. Wood mesmo afirma: "A combinação de cálculo e palpite (...) leva à conclusão de que até 1990 as mudanças no comércio com o Sul reduziram a demanda por trabalho não-qualificado em relação ao qualificado no Norte como um todo em algo como 20%. Esta estimativa está sujeita a uma ampla margem de erro (mais ou menos cerca de 8 pontos percentuais)." (pg. 11). A fragilidade dos modelos com que trabalha a economia convencional provém da tentativa de refazer em laboratório determinados processos históricos, alterando um dos seus componentes, no caso o comércio de manufaturas entre o Primeiro e o Terceiro Mundos. Pretende-se assim medir o efeito isolado deste componente sobre o processo global. Como não se conhecem todos os componentes e nem o grau em que interagem, os resultados dependem excessivamente dos pressupostos e acabam sendo adotados conforme as preferências ideológicas dos debatedores.

O tema mais discutido por Krugman, em sua polêmica contra o internacionalismo pop, é a forte queda da produção e do emprego industrial nos Estados Unidos. Pode-se atribuí-la a três fatores:

- o crescimento mais acelerado da produtividade na indústria do que no terciário (produtor de todos os serviços), o que fez com que os preços industriais caíssem em relação aos das mercadorias imateriais;

- o fato do consumo de todo tipo de serviços, de saúde, educação, jurídicos, comunicações etc. estar crescendo mais do que o de bens manufaturados;

- o deslocamento da produção de manufaturas para outros países, ou seja, a substituição de manufaturas nacionais por importadas.

Krugman tenta provar que a desindustrialização foi devida sobretudo ao primeiro fator. O trabalho de Wood leva a pensar que o peso do terceiro fator deve ter sido no mínimo tão importante quanto os dois primeiros.

Esta discussão toda só ganha sentido, no entanto, quando se passa aos portanto. Os internacionalistas pop propugnam a adoção de políticas que amparem a indústria americana. Krugman não é inteiramente contrário a esta idéia, pois foi um dos criadores da nova teoria do comércio que sustenta que, em princípio, a intervenção governamental pode influir sobre as vantagens comparativas do país no mercado mundial. A novidade toda, em relação à formulação original da teoria por D. Riccardo, é que este supunha que as vantagens comparativas decorriam da dotação diferenciada de recurso naturais. Agora, descobriram que elas resultam principalmente de ganhos em escala. Países que se especializam em determinados ramos de produção acabam instalando plantas de tamanho ótimo, capazes de abastecer grande parte do mercado mundial. Os seus custos são menores do que os de qualquer concorrente vindo posteriormente apenas porque começaram primeiro.

Este tipo de vantagem comparativa não é um dom da natureza, mas resulta de acidente histórico ou... de ação governamental. Governos que promovem pesquisa e desenvolvimento ou protegem determinados mercados internos até que os produtores tenham atingido sua plenitude tecnológica, ou o que seja, podem eventualmente gerar vantagens comparativas a serem exploradas com proveito para toda a economia nacional. Mas, Krugman não confia nesta possibilidade, primeiro porque é muito difícil descobrir quais ramos proteger ou favorecer, e segundo porque os resultados prováveis do esforço serão ínfimos. Krugman, como bom economista convencional, sabe que a intervenção governamental, ao favorecer determinadas indústrias, desvia recursos das demais e os modelos com que opera não permitem concluir com segurança se este tipo de distorção se justifica em termos de economia nacional.

Escreve Krugman (pg. 111): "A questão é que enquanto todos os mercados perfeitos são iguais, cada mercado imperfeito o é a seu modo. Não se pode propor uma política do tipo tamanho único para indústrias tão diferentes como construção aeronáutica, semicondutores e telecomunicações. Em vez disso, é necessário fundamentar propostas intervencionistas em previsões detalhadas de como as firmas mudarão suas estratégias em resposta a mudanças hipotéticas de política, como estas decisões estratégicas afetarão os lucros, salários, P&D e assim por diante, e finalmente como todas estas mudanças irão transbordar à economia como um todo. Para ter alguma esperança de fazer tudo isso é necessário montes de informações detalhadas sobre a tecnologia, história e ambiente político duma indústria - e ainda assim poder-se-á, mesmo que só o admita a você mesmo, estar perdido quando chegar a hora de emitir juízos quantitativos."

Isso é verdadeiro e revela muito a respeito da economia convencional, da qual Krugman é um orgulhoso representante. Se a política industrial tiver que ser decidida a partir de modelos, como o descrito acima, ela jamais verá a luz do dia. Mas, as políticas que as empresas adotam a todo momento também têm fundamentos tão precários como esses. Se no trecho citado substituirmos propostas intervencionistas por planos empresariais estratégicos ou coisa semelhante, o que muda? Cada empresa, sobretudo em mercados oligopólicos, tem de levar em consideração previsões detalhadas de como as outras firmas mudarão suas estratégias etc. Mesmo que os estrategistas empresariais acabem perdidos na hora de projetar números, eles não deixam de tomar decisões cujo sentido somente se revelará quando o mercado estiver operando. Decisões empresariais são tomadas apesar da incerteza reinante em qualquer economia de mercado e políticas industriais, para o bem ou para o mal, também se adotam neste tipo de ambiente.

As objeções de Krugman à intervenção governamental estão carregadas de ideologia implícita. Esta se alicerça na crença de que os mercados alocam os recursos em geral de forma acertada e que mexer com o seu veredicto exige uma base cognitiva segura, que a modelagem neoclássica não oferece. Acontece que. os mercados coordenam os agentes apenas a posteriori, quando alguns ganham o que outros perdem, enquanto empresas podem reunir quantidades gigantescas de agentes e coordená-los a priori, garantindo a realização de objetivos com o mínimo de riscos. Quanto maior a empresa e quanto mais ela dominar os mercados em que atua, tanto maior a sua probabilidade de êxito. Daí o sucesso das grandes empresas e a tendência incessante de crescerem, se fundirem ou associarem, que constitui inclusive um dos aspectos centrais da globalização, que Krugman não discute.

Aliás, aquilo que nos velhos tempos os marxistas denominavam de capital centralizado continua sendo uma charada para a economia convencional. As transnacionais praticam algo muito semelhante à política industrial: promovem P&D, protegem mercados mediante cartelização e desenvolvem inúmeras formas novas de associação e controles cruzados que coordenam as atividades de milhões de agentes em dezenas de países. Como não devem satisfações a cidadãos, Krugman aceita que o façam sem se emaranhar nas dúvidas hamletianas que atormentam, por dever de ofício, o estrategista governamental. Se as transnacionais podem fazê-lo, não há como negar que governos também podem, embora Krugman tenha razão em criticar os que identificam a competição entre empresas com a que se dá entre nações.

A formulação de políticas industriais é hoje um problema em aberto. O modo tradicional de resolvê-lo foi encarregar um grupo de burocratas, cujos interesses acabaram se soldando aos das empresas promovidas pela política. Criou-se um conúbio indevassável entre o poder de Estado e determinados capitais públicos e privados, nacionais e estrangeiros. Mas deve ser possível, e hoje torna-se mais que nunca necessário, solucionar o problema de maneira a empregar o poder de Estado de forma transparente e democrática a favor de uma inserção soberana e planejada da economia nacional no mundo globalizado. A dificuldade a ser superada é política, não técnico-econômica, como pensa Krugman. No Brasil, a curta mas fecunda experiência das câmaras setoriais mostrou um caminho. Faltou, no entanto, criar uma câmara intersetorial, para garantir que os acordos setoriais fossem mutuamente consistentes e sobretudo para impor como objetivo geral e prioritário o que Krugman descreveu como "transbordamento de todas as mudanças à economia como um todo".

Esta resenha não estaria completa se não registrasse um ensaio do livro de Krugman que discrepa dos demais. Em primeiro lugar, porque não se dirige exclusivamente ao público americano, como os outros, o que aliás é um dos defeitos do livro: embora trate de um assunto internacional, toda discussão é estrita e estreitamente conduzida do ponto de vista dos Estados Unidos. Muitas observações pertinentes para os EUA não se aplicam a outros países, enquanto outras são de validade geral. Krugman não mostra qualquer preocupação de distinguir umas de outras. O ensaio em questão se baseia numa conferência pronunciada na Cidade do México, em março de 1993, e discute os problemas daquele país do ângulo da globalização.

Em segundo lugar, o ensaio discrepa dos outros por distinguir enfaticamente sabedoria convencional da economia convencional. O que surpreende. Krugman defende a última, como vimos, mas menospreza a primeira, que muitas vezes está "em plena contradição com o que a melhor pesquisa econômica revela." Para ele, a sabedoria convencional ou o que muitas vezes passa por senso comum "tem um forte elemento de moda" resultado "do fato de que gente séria fala principalmente uns com os outros e tende a acreditar no que ouve." (págs 130/1). Ele mostra que a gente séria - ministros e altas autoridades, jornalistas influentes - antes da crise dos 30 acreditava em mercados livres e moeda sã [sound money]; depois, a sabedoria convencional fixou-se em crenças muito diferentes destas para, no início dos 80, retomar ao ponto de partida, sob a forma agora do famoso consenso de Washington. Krugman compartilha da fé nos mercados livres, embora com algumas restrições, mas discorda da moeda sã, que recomenda a fixidez da taxa de câmbio ou do valor externo da moeda, não importa quão desequilibradas estejam as contas externas.

Krugman acha que política monetária deve ser praticada porque, em certas condições, ela pode ser eficaz. Assim, a desvalorização cambial, se não for anulada por um surto inflacionário imediato, pode expandir as exportações e conter as importações, reequilibrando as transações correntes com o exterior. Esta era a principal lição que ele foi dar aos mexicanos, que naquele tempo tinham o peso supervalorizado e financiavam o rombo em conta corrente com abundantes entradas de capital externo. Krugman achava que as reformas implementadas por Salinas ainda não estavam dando resultados que justificassem o entusiasmo dos investidores externos pelo México. Mas, a enxurrada de capital externo permitia aos mexicanos viver e gastar acima dos seus próprios meios, garantindo às reformas (e aos reformadores, dizemos nós) um êxito prematuro e imerecido, devido unicamente ao fato dos investidores internacionais acreditarem na sabedoria convencional. Mas, pergunta Krugman, "e se a sabedoria convencional não estiver certa? Ou... se a recompensa real pelos mercados livres e moeda sã demorar mais do que os mercados financeiros parecem esperar?"(pág. 144)

Krugman estava mostrando bastante presciência. Em dezembro de 1994, os investidores internacionais saíram do México em disparada, justificando seus temores. A propósito, suas advertências aplicam-se também ao Brasil de hoje. Suas críticas à sabedoria convencional e ao consenso de Washington são um ponto alto do livro.

Pop internacionalism é um livro de grande interesse e atualidade, apesar da aparente inconsciência ideológica do autor. Um dos seus méritos é desinflar o sensacionalismo que costuma cercar o debate sobre a globalização. Mas, ao fazer isso, Krugman se baseia numa economia convencional que está longe de ser imune à sabedoria convencional. Só para dar um exemplo, Krugman apresenta a NAIRU como se fosse uma categoria científica. NAIRU é a sigla inglesa da "taxa de desemprego que não acelera a inflação", também chamada (inclusive por ele) de "taxa natural de desemprego". O que se esconde por detrás desta categoria é a tese de que políticas keynesianas de pleno emprego inevitavelmente causam inflação, a qual só pode ser eliminada se se permitir que o desemprego retome ao seu nível natural. Uma tese que procura fazer o pensamento econômico voltar aos bons tempos pré-keynesianos, em que a liberdade dos mercados e sanidade da moeda eram consensuais. Krugman usa a NAIRU para demonstrar que a eliminação do déficit comercial dos EUA não poderia reduzir o desemprego porque este já estaria em seu patamar mínimo, compatível com a estabilidade dos preços.

Krugman entende do que fala, escreve bem e argumenta competentemente. Seu livro ajudaria muito mais se ele deixasse o leitor saber que ele também tem ideologia e que muitas de suas crenças se fundamentam em seu modo peculiar de ver o mundo.

Paul Singer é professor na Faculdade de Economia e Administração da USP e membro do Conselho de Redação de T&D.