Estante

Quase Lá - Lula, o susto da elites, de Wladimir PomarHá muito, na história do Brasil, o medo faz parte do imaginário das elites. Ao menos desde o século 19, o temor de que uma insurreição popular resolvesse a independência e o fim da escravidão sempre acompanhou as análises das classes dominantes. E não era sem motivo, já que, em outros lugares da América, o rompimento com a metrópole e o fim do cativeiro foram resolvidos na ponta da baioneta. Seria intrigante se o imaginário dessas elites tivesse mudado com a República e atingido nossos dias. É também disso que trata Wladimir Pomar em Quase Lá. Em 2009, o livro ganha sua terceira edição para celebrar os vinte anos do grande susto das elites com a ideia de que “o metalúrgico barbudo poderia tornar-se presidente”.

Trata-se de uma narrativa detalhada sobre as eleições presidenciais de 1989, das quais o autor participou como coordenador nacional da campanha Lula Presidente. O momento histórico já era peculiar – pela primeira vez depois da ditadura militar se realizavam eleições diretas para presidente do país e um dos candidatos ao cargo era o líder do Partido dos Trabalhadores, que, anos antes, já havia atemorizado patrões na região do ABC. Pomar conta a história da campanha de 1989 com os pés lá, ainda em 1990, no calor da hora. Os primeiros sinais da possibilidade real de Lula chegar à Presidência já apareceram no começo da campanha e significaram ameaça ao “secular domínio exercido sobre a vida do Brasil pelos donos do dinheiro, das terras, da produção e do saber”. O medo da vitória das classes populares dividiu as elites, o Império, para Pomar, em três tipos de temor; havia “os apavorados”, liderados por empresários que ameaçavam abandonar o país no caso da vitória do operário, os que sofriam de “síndrome do populismo” e acreditavam que Lula aumentaria salários e congelaria preços por decreto e, por último, os acometidos de “síndrome de obscurantismo”, ou seja, os que esperavam a renegociação compulsória da dívida externa e o fim das privatizações.

Todos os temores atuaram contra a candidatura de Lula durante os meses da campanha presidencial em 1989 e Pomar relata que, além da pressão das elites, a descrença interna era outro elemento a ser cuidado. De um lado, havia o sentimento de que talvez o PT ainda não estivesse preparado tecnicamente para os problemas da governabilidade e, de outro, os que acreditavam que o partido era bom demais na oposição para se ausentar desse papel. E mais, estava posta a tarefa de extrapolar as fronteiras de São Paulo e formular uma política de alianças de acordo com as diretrizes do PT. Nada disso se desdobrou sem danos, mas também com resultados impressionantes, como a elaboração de um programa de governo, os 13 Pontos, que, além de se tornar referência para a campanha e para o partido, polarizava com o projeto liberal da trupe de Roberto Campos.

A cada resposta da campanha aos obstáculos postos por seus adversários, o temor das elites se acirrava. Recuperar o medo como dimensão histórica não é tarefa fácil, já que ele aparece apenas de viés nos documentos, mas está por todo lado em Quase Lá, resgatado por Wladimir Pomar. As ações desencadeadas pelo medo geram outras inesperadas, e é por isso que as elites, quando temem a organização das classes populares, ao mesmo tempo justificam a violência que se aplica para transformar a ordem e manter seus domínios. Não é à toa que o autor se refere à reação dos adversários de Lula, que consistia na criação de falsas acusações e muitas mentiras como a “mais estridente, facciosa, suja e caluniosa campanha a que já se assistiu na história dos meios de comunicação no Brasil”.

Ainda nas palavras de Pomar, a derrota nas urnas não foi obstáculo para a vitória política conquistada pelo PT em 1989, que pela primeira vez havia organizado a militância nacionalmente e derrubado mitos arraigados no eleitorado desde a ditadura militar. Entretanto, a estratégia que marcaria para sempre o partido foi combater o medo propagado pelas elites – e até hoje o Partido dos Trabalhadores não fugiu a essa luta.

Glaucia Fraccaro é mestre em História Social pela Unicamp e assistente técnica do Centro Sérgio Buarque de Holanda da FPA