Estante

A palavra governo vem de um vocábulo que significa navegar ou pilotar, ou seja o seu papel não é o de remar. O governo deve construir, consolidar e buscar caminhos para a implantação de projetos.

Muitos ainda não se deram conta de que o governo é uma instituição fundamentalmente diferente das empresas. Os empresários são motivados pela busca do lucro; as autoridades governamentais se orientam pelo desejo de serem reeleitas. As empresas recebem dos clientes a maior parte de seus recursos, os governo são custeados pelo contribuinte. O teste definitivo para o governo não é o rendimento, mas a reeleição, as empresas privadas estão sempre atentas aos resultados, pois sabem que do contrário poderão ir à falência.

Em um mundo que se globaliza rapidamente, observa-se com um misto de incertezas e angústias a atuação dos Estados Nacionais. O socialismo realmente existente que acalentou sonhos e utopias de muitos não existe mais, "o verdadeiro socialismo" democrático, humanista... parece estar cada vez mais distante, mitos e muros renderam-se a um mundo cada vez mais perverso e concentrador de rendas e de poder.

É neste contexto que a crise do Estado tem adquirido um caráter central, seja em função da falência dos processos de financiamento, seja porque em boa medida este hoje tem servido quase que exclusivamente aos interesses corporativos presentes no funcionalismo público, em seus vários níveis, e nas elites encasteladas no governo.

O Estado brasileiro tem muitas particularidades, foi importado de navio pela família real e em sua etapa inicial tornou-se estruturante, a partir das falências do mercado e das necessidades concretas da sociedade no início deste século. Hoje vemos também a falência deste Estado. Diante de debates tão complexos e acalorados, ainda persistem aqueles que com binômio absolutamente maniqueísta e simplificado acreditam deter "a chave do problema", seja por um lado com um discurso que atribui ao mercado todos os males de nosso tempo, e por outro há aqueles que dizem que o vilão é o Estado.

Buscando sair do lugar comum, dois americanos, David Osborne e Ted Gaebler, escreveram Reinventando o Governo, um livro que tem o mérito de ser um estimulador para aqueles que atuam no setor público, na medida em que apresenta uma série de experiências vivenciadas por agentes de mudança em governos empreendedores. O governo empreendedor, segundo os autores, é capaz de identificar boas oportunidades, nas quais, por exemplo, diante do dilema de se ter que aumentar impostos ou reduzir serviços, apresenta a necessidade de se reduzir custos.

David e Ted nos lançam uma gama de desafios, para que possamos mudar paradigmas, repensar fórmulas e valores, eles nos convidam a assumir a nossa responsabilidade pessoal de pensar e fazer a mudança. Do contrário, se as coisas continuarem sendo geridas do mesmo modo, tratar-se-á de uma verdadeira prova de loucura continuar a fazer as mesmas coisas e almejar resultados diferentes.

Sete gerações de indivíduos foram treinados também para este fim. Após 100 anos esperando que o governo fizesse tudo, as nações compreendem cada vez mais que cada cidadão deve fazer a sua parte.

Hoje, notamos que as linhas divisórias entre o setor público e o setor privado não podem ser estanques. O objetivo de ambos deve ser o de atender o cidadão, através de um processo de ação sinérgica.

Na era da informação, duas questões fundamentais devem ser levadas em consideração, a velocidade com que presta o serviço, e a satisfação do cliente. Do contrário, o governo estará a perder a concorrência.

Em um mundo segmentado, a burocracia trouxe para o trabalho no governo a mesma lógica da linha de montagem dos processos industriais, seja do ponto de vista da especialização funcional e/ou da autoridade hierárquica. Como afirma Max Weber "as burocracias foram concebidas para tratar todos da mesma maneira..." As regras do governo se agregam em vários sistemas: orçamento, pessoal, compras, contabilidade. Quando se desburocratizam estes sistemas ocorre um verdadeiro ganho.

O mundo contemporâneo exige instituições extremamente flexíveis e adaptáveis, instituições que produzam bens e serviços de alta qualidade, assegurando-se alta produtividade aos investimentos realizados.

É por isso que os governos devem passar a ser orientados por missões cujo centro esteja focado na idéia de melhor atender o "cliente". Quando se tem uma missão clara passa-se a trabalhar melhor. O que comumente ocorre é que os governos tendem a aglutinar muitas missões diferentes e, por vezes, até conflitantes.

Os governos que têm mais condições de responder a estas novas realidades são seguramente os governos locais, seja porque foram os primeiros a se "chocarem contra a parede" pela população, seja porque é absolutamente perceptível a visualização de suas ações concretas, na medida em que estas se relacionam diretamente com as alterações do lugar onde vive cada cidadão.

O PT já governou, e governa cidades importantes do país, entre as quais São Paulo, Santo André, Vitória, Porto Alegre, São José dos Campos. Em várias ocasiões parece existir um certo ar de total novidade nas iniciativas que foram e ou vêm sendo tomadas. Este livro é em boa medida desmistificador, e por que não dizer alentador, já que apresenta várias experiências espalhadas pelo mundo. Não estamos sozinhos em nossa busca de algo novo no setor público.

David Osborne e Ted Gaebler afirmam que o setor público encontra-se em ritmo de mudanças e o objetivo ao escrever Reinventando o Governo buscará tirar uma fotografia dos governos que começaram esta jornada, proporcionando um mapa aos que querem realizá-las.

Todos dizem querer mudar o governo, seja os cidadãos, seja os funcionários, mas ele não muda, em boa medida, porque ninguém se sente responsável pelos processos de mudança.

Este conjunto de experiências e esperanças se traduzem em um livro denso, com muita informação, muitos dados, e que conseguiu compatibilizar-se com um texto de leitura fácil e agradável.

Edgar da Nóbrega Gomes é economista, membro do Diretório Regional do PT/SP.