Estante

Cenas da CampanhaSem medo de ser feliz - o slogan da Frente Brasil Popular no segundo turno da eleição presidencial - virou nome de livro. Organizado pelo jornalista André Singer e lançado pela Editora Scritta, Sem medo de ser feliz - Cenas de campanha é o primeiro registro da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez o primeiro candidato operário e popular à Presidência do Brasil. Idealizado em fevereiro, o volume foi editado e vendido em tempo recorde (leia abaixo). Parece que ele pegou os leitores pelo coração.

O jornalista Jânio de Freitas escreveu a abertura. Em seu texto, o articulista da Folha de S. Paulo traz a eleição de 1989 para a dimensão que ela assumiu em cada eleitor: o drama pessoal de escolher entre a ética e a "lei de Gérson", o vale-tudo. Depois, André Singer enumera os problemas colocados para a esquerda e para o PT num país que não é mais o mesmo após a disputa eleitoral. O dia-a-dia da campanha é lembrado por Ricardo Kotscho, repórter do Jornal do Brasil e ex-assessor de imprensa de Lula. Seu depoimento é muito bonito para ele, o saldo das urnas é um misto de tristeza, pelo que não foi, e alegria, pelo que poderia ter sido.

Há também uma entrevista com Lula, onde ele narra, de seu ponto de vista, o caminho percorrido desde o surgimento do fenômeno Collor e o início das eleições, até o momento onde "você começa a pensar grande" diante da possibilidade de vitória. Segue-se o drama dos últimos dias de campanha e a avaliação da derrota. "Quem viveu, viveu", afirma Lula.

A maior parte do livro é constituída por fotos, as Cenas de Campanha. Mas aí a dramaticidade dos depoimentos perde a força. As fotos não são sempre as melhores, nem as mais bonitas. Algumas são dispensáveis, como as de assessores e membros do comitê de campanha. Elas poderiam ter dado lugar, por exemplo, às da passeata que tomou por mais de duas horas a Av. Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo, e foi um dos marcos do crescimento de Lula no primeiro turno. Os responsáveis pela escolha esqueceram-se de que, num registro iconográfico, a exatidão deve aliar-se à emoção. Os retratos devem captar momentos-síntese da história, como aquele do chinês que deteve uma coluna de tanques em Pequim. Se não, transformam-se em meras ilustrações de uma cronologia e precisam se escorar em legendas ou na cumplicidade de quem lê. O mérito deixa de ser da obra e transfere-se para o leitor.

O simbolismo da imagem, como disse Lula, muitas vezes cala mais fundo. Veja se a de Collor e seu governo, renovada a cada final de semana por peripécias que procuram demonstrar força e decisão de vencer ou vencer, não importa como. É a imagem com a qual ele ganhou as eleições. Mas é quase volátil, tanto que precisa ser reforçada o tempo todo. Talvez a maior virtude de Sem medo de ser feliz - Cenas de campanha seja tentar mostrar o contrário disso: a imagem de uma campanha ética. A contraposição entre ética e política é destruída por Lula. Pode-se fazer política com propostas, militantes e ética, pode-se governar com ética. Essa idéia não passa todos os dias na TV, porém é revivida pelos que participaram da Frente Brasil Popular no ano passado e têm o privilégio de lembrar a verdade dos fatos - a si mesmos e aos outros - sem se envergonhar dela.

Ao investidor sem medo

Bem-acabado, bonito. Quem se acostumou a pensar que tudo o que a esquerda sabe imprimir são panfletos, vai se surpreender. Sem medo de ser feliz - Cenas de campanha é um exemplo de que publicações de cunho político podem ser bem-feitas e bem-sucedidas. Breno Altman, diretor editorial da Scritta, constata: "Nós pudemos efetivar com um padrão altamente empresarial e profissional um projeto que, serve ao partido".

Para percorrer rapidamente o caminho entre a idéia de fazer o livro e seu lançamento, a Scritta vendeu cotas de participação, que totalizaram cerca de 120 mil dólares. Os empresários que se interessaram em comprá-las vão receber seu dinheiro de volta, acrescido em 60%. Quem apostou, ganhou.

O volume ficou pronto em dois meses e vendeu os 12 mil exemplares da primeira edição na metade desse tempo. A segunda edição (6 mil cópias) saiu em meados de julho e a terceira está programada para agosto. São números surpreendentes para um mercado onde dificilmente as tiragens ultrapassam os 3 mil exemplares e demoram vários meses para se esgotar.

Patrícia Cornils é redatora de Teoria & Debate.