Estante

Por uma destas coincidências da história, Francisco Weffort publica mais um livro no mesmo ano em que vivemos grandes mobilizações sociais em torno da construção da democracia no Brasil.

A matéria-prima das reflexões de Weffort - em 1984 com Por que democracia? e em 1992 com Qual democracia? - e das mobilizações sociais naqueles momentos era a mesma: a democracia.

Entre as duas publicações, se passaram oito anos de incansável e abnegada luta democrática e a constatação feita pelo próprio Weffort em entrevista recente à Folha de S. Paulo - de que "talvez nós tenhamos tido a ilusão de que o processo de consolidação da democracia política, uma vez terminada a ditadura, seria muito mais fácil". Ainda temos muito que aprender e fazer.

Neste aprendizado, os livros de Weffort são indispensáveis para aqueles que têm na democracia a referência central para a construção de um outro modo de organização da nossa vida social. Lamentavelmente, este livro de 1992 não suscitou o mesmo debate - ao menos na imprensa - que o lançado em 1984.

Francisco Weffort, sem dúvida um dos mais consistentes cientistas sociais do país, apresenta em Qual democracia? sete ensaios que tratam especificamente da temática democrática. Quatro deles analisam a situação e as dificuldades de consolidação dos regimes democráticos na América Latina. Em dois dos ensaios, o autor trava um diálogo com as concepções sobre as "novas democracias" que vão se construindo no Leste Europeu e na América Latina após a queda das ditaduras existentes nestas regiões. Por fim, no último capítulo, retoma a discussão já clássica sobre democracia e socialismo.

É nele que encontramos uma belíssima definição sobre um "nó górdio" do pensamento socialista que é a relação entre a democracia e o mercado: "o pensamento socialista democrático deve ser possibilista e pluralista. Em sua concepção da sociedade, precisa sempre levarem conta uma realidade plural, na qual o Estado, o mercado, a democracia política e a sociedade civil entram como elementos básicos. (...) Alicerçados na sociedade civil, (os socialistas) farão com a democracia um casamento por ano, mas sua união com o mercado será, certamente, por conveniência"'.

No mesmo texto, encontramos uma concepção de política basilar no pensamento de Weffort e dos democratas em geral. A partir dela é que poderemos entender o caráter substitutivo das reflexões presentes nos capítulos anteriores. Para ele, a "velha toupeira" da história é a liberdade, e esta só se define no espaço da política. E é a idéia de política como criação humana que o faz afirmar que "na história não existem caminhos previamente traçados. (...) O que faz o caminho é o caminhar".

Particularmente instigante é o 6° capítulo, "Brasil: perspectivas para os anos 90". Profundamente pessimista no diagnóstico da situação, Weffort traça um cenário difícil, principalmente para a esquerda, na "abarrotada agenda dos anos 90" que se caracteriza pela contradição entre o "crescimento da democracia política" e por "um prolongado estancamento econômico (...) que só fez agravar os problemas estruturais da sociedade brasileira". Frente a esta contradição "não há como tergiversar", pois, "no mesmo momento em que nos empenhamos em consolidar a democracia, devemos estar preparados para medidas econômicas que implicam um custo social tão elevado que colocam em questão a própria democracia".

Como se vê, carregado demais no pessimismo mas suficientemente realista para nós, que continuamos "sem medo de ser feliz". Estabelecer diretrizes políticas que sustentem um programa de governo enfrentando esta questão não é tarefa simples. Encontrar o "ponto" correto desta receita é vital, sob o risco de colocarmos a perder o "bolo" que tão duramente construímos nestes últimos anos.

O livro Qual democracia? é daquelas obras que não podem e nem devem passar em brancas nuvens. Precisa ser debatida e criticada. Pessoalmente, tenho identificações profundas com as idéias ali expostas, e sugiro a todos os "falcões" do PT que não percam esta leitura. A candidatura Lula está aí, e pode ser que estejamos muito perto de nossa "hora da verdade".

Em tempo. Para aqueles que se surpreenderam com a opção de Weffort pela defesa do presidencialismo (onde estou incluído), a leitura do primeiro capítulo dá pistas importantes sobre as bases políticas desta mudança.

Júlio Rafael é membro do Diretório Nacional do PT.