Em boa hora nos chega mais um livro de Reinaldo Gonçalves, professor titular de Economia Internacional da UFRJ e autor de vários e conhecidos trabalhos nessa área. Este, reforça ainda mais sua (e também minha) tese de que globalização com neoliberalismo, antes de significar um caminho para o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, representa mais um ardil do sistema capitalista central para nos subjugar aos velhos e conhecidos ditames ortodoxos, especialmente aos emanados pelo FMI.
Este livro não se caracteriza como um “denso compêndio de economia”. Antes, pelo contrário, é texto quase pedagógico, de leitura agradável e esclarecedora sobre o tema. Usando a história como pano de fundo, Gonçalves compara o amadurecimento das distintas fases do capitalismo, desde o início do século XIX, com suas fases críticas, como as das duas grandes guerras e da Grande Depressão, com a excepcionalidade dos golden years (1950-1973) e com os trágicos e complexos anos posteriores, de crise e reestruturação, globalização e neoliberalismo.
A obra está estruturada em sete capítulos. No primeiro, o autor discute as características da Nova Economia, a financeirização e a restauração da hegemonia americana. No segundo (“Locomotivas Enferrujadas do Capitalismo”), após passar em breve revista o desempenho histórico do capitalismo, apresenta uma tese um tanto polêmica: a de que a economia dos principais centros (EUA, Japão, Alemanha, França e Inglaterra) encontra-se num impasse para a retomada do crescimento, daí o título do capítulo. Vê como “esgotados” os velhos remédios keynesianos e indaga se a guerra não voltaria a ser usada como derradeiro mecanismo para uma “recuperação”.
O terceiro (“Tecnologia e Desemprego”) mostra, com números, como a introjeção do progresso técnico – mesmo nos países desenvolvidos – passou, nas últimas três décadas, a constituir uma contradição ao trabalho, ampliando o desemprego estrutural. A meu juízo, e dado o tamanho limitado da obra, o autor não deveria tentar explicar teoricamente os determinantes do progresso técnico, tema que exigiria largo número adicional de páginas. Contudo, isto não prejudica sua análise.
No capítulo 4 (“Futuro da Economia Mundial”) o autor faz um ensaio metodológico interessante sobre a construção de cenários – otimista, intermediário e pessimista – para 2000/2010, em que os dois últimos seriam simplesmente desastrosos para a América Latina, levando-nos a uma espécie de africanização econômica e social. Mesmo no otimista, sua taxa de crescimento (2,5%) continuaria a aprofundar nossos problemas e nos afastaria ainda mais da “rota” do desenvolvimento.Contudo, entre os vários problemas metodológicos enfrentados pelo autor, a utilização do PIB PPP(avaliado pelo PPP – paridade do poder de compra) atual, nos traz outros problemas metodológicos, quando projetado para o longo prazo.
O capítulo 5 (“Globalização e Inserção Internacional”) discute os principais conceitos que envolvem o tema, avalia a natureza dos principais impactos da globalização e faz uma breve (é pena, pois poderia ser mais ampla) comparação entre a forma ativa da inserção da China e a passiva usada pelo Brasil. Entre alguns dos índices utilizados, destaquem-se três: 1) o PIBppp de ambos era semelhante em 1980, mas o da China, em 1990, já era o dobro do brasileiro e 4 vezes maior em 2000, podendo ser 8 vezes maior em 2010; 2) entre 1990 e 2000, as exportações de manufaturados como porcentagem do total exportado, evoluíram, para a China, de 50% para 87%, enquanto as do Brasil mantiveram-se em torno de 55%; 3) a relação passivo externo líquido/PIB, no mesmo período, evolui de 5,5% para 8,3% na China, enquanto no Brasil ela sobe, assustadoramente, de 19,6% para 31,6% (sem dúvida, mais um transparente recorde do governo FHC...).
No sexto, (“Vagão descarrilhado....” ) critica duramente vários autores brasileiros (otimistas, produtivistas e cambiotimistas) que analisaram os efeitos das políticas de abertura. Sua angústia em mostrar os péssimos efeitos (principalmente os transmitidos pela mídia) de tais análises e comentários, embora pertinente, acabou levando-o a misturar o trigo ao joio, exagerando, a meu juízo, na crítica (muito breve) que faz a Carlos Lessa, sobre a necessidade de recuperar a auto-estima do povo brasileiro.
No sétimo (“Futuro do capitalismo no Brasil”) analisa algumas propostas de alternativas para a economia brasileira, descartando as que envolvem proposições de orientação socialista, o que é uma pena, pois poderíamos ter aqui um interessante confronto. As quatro examinadas são as de Antonio D. Leite, de João P. A. Magalhães, de João P. R. Veloso e de Roberto M. Unger, concluindo que nenhuma delas atinge o ponto central (como conter nossa vulnerabilidade externa) e a maior parte delas centra a atenção na expansão das exportações. A despeito de que apresentam diferenças substanciais entre si, o autor conclui que tampouco propõem a ruptura com o modelo atual.
Em que pese conter algumas passagens que requereriam maiores explicações, ou outras em que a crítica também foi pouco explicitada, os resultados positivos superam largamente os negativos. É obra útil para refletirmos sobre o que a mídia anda dizendo hoje e sobre as atitudes de nosso novo governo.
Wilson Cano é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp