Estante

História do voto feminino no BrasilA história dos direitos sociais no Brasil, esquecida por um longo tempo, está em pleno processo de composição, e a publicação de Voto Feminino e Feminismo, pela Imprensa Oficial, é uma inegável contribuição ao tema. O livro escrito por Diva Nolf Nazario no ano 1923 é o registro de uma mulher que pertencia à classe média paulistana decidida a fazer valer seus direitos. Durante muitos anos, essas histórias eram muito pouco contadas porque ativistas e especialistas estavam mais preocupados em compreender como os movimentos sociais e seus agentes poderiam sobreviver e lutar por conquistas num Brasil que tinha um Estado ausente e muito fraco.

Recentemente, com a redemocratização e a formulação de um projeto de país gerado nos anos 1990 e aplicado nos últimos anos, é que a possibilidade de obter conquistas por meio de um Estado mais fortalecido e com uma intensa agenda social foi definitivamente incorporada pelas pesquisas que tratam dos trabalhadores. É na luta por direitos que também encontramos Diva Nolf Nazario, uma estudante de Direito da faculdade do Largo São Francisco que decidiu participar das eleições do centro acadêmico.

A história de Diva não para por aí, e foi com o objetivo de registrá-la e contá-la que ela mesma reuniu os textos que produziu em longos debates com juízes, deputados e jornalistas anônimos na imprensa brasileira nos anos 1922 e 1923. Depois de seu empenho em participar das eleições do Centro Acadêmico do XI de Agosto, Diva procurou uma repartição pública para se alistar como eleitora. Ao ter o pedido indeferido, recorreu ao juiz para garantir seu direito de votar. Seu principal argumento era mesmo desconcertante: a Constituição de 1891 não negava categoricamente o direito às mulheres, como o faz quanto ao alistamento militar. Para ela, se o Congresso da Constituinte tivesse manifestado interesse nessa exclusão "teria negado o direito de voto à mulher, transformando essa negação em artigo expresso de lei". Dali para a frente, ela colecionou seus debates travados em repartições e com leitores de jornais.

Muitos outros argumentos a respaldavam. A mulher estava incluída quando os editais de concurso público e regulamentos estabeleciam regras para os candidatos, mas deveria ser mantida alheia ao processo eleitoral? Ao mesmo tempo, a maior parte das mulheres trabalhava por seu sustento e o da família e permaneceria sem o direito de votar? Se elas estavam sujeitas à aplicação da lei como qualquer cidadão que comete crimes, por que não poderia participar das eleições como cidadãs?

As alegações em contrário eram tão inócuas que só alimentaram ainda mais sua vontade de manter a questão viva em debates nos jornais. O juiz negou o alistamento da requerente por considerar que a missão da mulher é doméstica. Em outras ocasiões, a autora deparou com a ideia de que a dádiva de ser mãe já constituía em si uma prática muito eficiente de influência social, mais do que o próprio voto. Muitos eram contrários ao direito de voto feminino por não estar a mulher sujeita ao imposto de sangue, ou seja, a obrigação de servir o Exército.

O empenho de Diva reuniu em seu livro textos de Bertha Lutz, a reconhecida feminista carioca, e Carrie Chapman Catt, uma das pioneiras do sufragismo feminino nos Estados Unidos, quando ambas estiveram em São Paulo. A riqueza dos documentos publicados também revela os moldes e filtros elaborados por essas mulheres e acionados para a ampliação dos direitos sociais. Os minuciosos debates travados por Diva mostram que não é possível perpetuar a noção arraigada de que, no Brasil, as mulheres não lutaram pelos próprios direitos.

Em tempo: suffragette designa as mulheres que lutaram pelo direito ao voto no Reino Unido. O termo apareceu pela primeira vez no jornal britânico Daily Mail, no final do século 19. Com o tempo, suffragette deixou de ser uma forma pejorativa de se referir a essas mulheres e foi incorporado pelas ativistas. No entanto, as militantes norte-americanas não adotaram a palavra e preferiram ser chamadas de sufragistas.

Glaucia Fraccaro é mestre em História Social pela Unicamp e assistente técnica do Centro Sérgio Buarque de Holanda/FPA