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Em campanha pela reforma política, Rui Falcão afirma que é um bom momento para dialogar com a sociedade e falar da importância dos partidos políticos

A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte

O financiamento público é o melhor caminho para combater a corrupção nas eleiçõe

O financiamento público é o melhor caminho para combater a corrupção nas eleições. Foto: Uiara Lopes/PT

O PT está vivendo um período muito rico, segundo o seu presidente nacional Rui Falcão em entrevista à Teoria e Debate. Em paralelo ao Processo de Eleições Diretas (PED) e aos debates preparatórios ao 5º Congresso, o partido está liderando uma campanha pública pela reforma política, com a coleta de assinaturas para um projeto de lei e, ao mesmo tempo, apoia a campanha pela democratização da comunicação. Tudo isso simultaneamente ao apoio ao governo da presidenta Dilma Rousseff e à discussão sobre o projeto petista para o país nos próximos anos. “Quanta coisa foi possível mudar no Brasil em tão pouco tempo quando muitos tinham a convicção de que jamais iria acontecer”, destaca o presidente petista ao fazer referência às transformações sociais e econômicas da última década sob os governos petistas.

Ao mesmo tempo em que todos os sinais do governo são de “engavetar” qualquer proposta de marco regulatório das comunicações, o PT emite uma nota na qual se dispõe a apoiar uma iniciativa popular pela democratização da mídia. O que significa isso?  
Rui Falcão - O PT nasceu combatendo a ditadura e a censura. Não existia somente a censura política, mas também autocensura e censura empresarial. Emiliano José tem mostrado como a grande mídia compactuou com a ditadura na série que vem sendo publicada na revista Teoria e Debate.

O partido sempre teve como bandeira a luta pela ampliação da liberdade de expressão no Brasil, que é um direito fundamental e, no mundo moderno, deixou de ser apenas um direito individual – tornou-se um direito social. E, com a convergência de mídias, hoje é um direito interativo. As pessoas têm direito a múltiplas formas de informação, ao mesmo tempo em que recebem podem também ser emissoras de informação. Quanto mais amplas forem as possibilidades de comunicação, mais se fortalece a democracia no país. Por isso, o PT sempre foi favorável à democratização da comunicação.

A Constituição de 1988, ao colocar a restrição a qualquer forma de censura e de cerceamento à liberdade de expressão, tratou nos artigos 220, 221, 222, 223 de pontos que carecem de regulamentação. Um deles, por exemplo, proíbe a existência de monopólios e oligopólios, só que não há lei que os defina. Esta é tarefa do Congresso Nacional.

A Constituição estabelece a complementaridade do sistema de informação, ou seja, a coexistência de sistema público, estatal e privado. É preciso haver estímulo à formação do sistema público, e isso se dá por meio de maior liberdade para instituição de rádios comunitárias, distribuição mais democrática de verbas publicitárias das empresas e do governo e criação do sistema estatal, como tem em outros países – não é apenas a Voz do Brasil.

Então, para que se dê conta dessa complexidade, da convergência de mídias, é preciso, de um lado, atualizar a legislação. O Código Brasileiro de Telecomunicações, por exemplo, é de 1962, quando nem sequer havia internet. De outro, regulamentar os artigos da Constituição, que preveem também regionalização da mídia, atenção às múltiplas manifestações culturais em um país de grande diversidade, e isso se faz também através de um órgão regulador. Um marco da comunicação não significa censura de conteúdo, intervenção na mídia impressa, porque concessão de serviço público é para rádio e TV, que agora têm convergência com as teles, a telefonia, com os pacotes, os combos. É preciso regulamentação, inclusive, em defesa das empresas que se colocam contra.

E, por fim, a regulamentação não é uma jabuticaba, existe em quase todos os países democráticos. A Inglaterra acaba de atualizar sua regulação, o México também, exigindo inclusive o fracionamento de um dos monopólios, do Carlos Slim. O Brasil precisa se atualizar nesse campo. Se o governo considera que não é o momento, por diversas razões, o partido em sintonia com centenas de entidades que têm a mesma bandeira apoia a iniciativa de uma emenda popular nessa direção.

E há correlação de forças favorável para emplacar uma proposta dessas no Congresso?
Rui Falcão - A presidenta Dilma Rousseff tem praticamente 80% de aprovação neste momento, maioria no Congresso Nacional e apoio na sociedade. Quando haverá correlação para isso? Este é o momento favorável para, pelo menos, fazer o debate. Até antes de mandar um marco regulatório ao Congresso, submetê-lo à consulta pública. Nossos governos se orgulham de ter formulado várias políticas públicas por meio das conferências municipais, estaduais e nacionais. Houve a Conferência Nacional de Comunicação, com a participação de representantes da minoria de grupos privados, e o governo assumiu um compromisso com os delegados de que mandaria o marco regulatório ao Congresso.

É nesse sentido que declarei que nosso governo está em dívida com a sociedade. Um governo que tem grande aprovação, realizou grandes transformações, mudou o Brasil, ampliou as relações do país, fez o salário mínimo crescer 70% acima da inflação, garantiu índices recordes de emprego, e nesse aspecto não está avançando.

Um dos resultados mais importantes dos últimos dez anos de governo foi a diminuição da desigualdade, com a inclusão de milhões de pessoas no mercado de consumo. Alguns até falam na emergência de uma nova classe média. Estudiosos e dirigentes partidários chamam muito a atenção do partido para o fato de que é preciso conhecer essa população incluída e trabalhar nela valores da cultura política. Isso está na pauta do próximo congresso do partido?
Rui Falcão - Primeiro, acho discutível essa questão de nova classe média. São milhões de pessoas incorporadas ao mercado de consumo, muitas passaram a ter acesso à universidade. A grande maioria é de trabalhadores, e certamente não tem a mesma formação daqueles do ABC, da indústria automobilística, do setor químico das décadas de 1980, 1990. É uma nova geração cujos valores, aspirações, é preciso conhecer, organizá-los em seus setores de trabalho. É fato que boa parte tem votado no PT, mas é preciso que o partido dialogue com eles.

Uma das tarefas do 5º Congresso é justamente ter um conhecimento mais aprofundado da nova estrutura social brasileira. A última leitura que temos disso data do 5º Encontro, final dos anos 1980, e o Brasil mudou muito nesse período.

Há questões básicas que hoje estão atendidas, mas, para esse novo setor da classe trabalhadora, é o momento de oferecer serviços de melhor qualidade, garantir acesso à educação e, nesse sentido, investir 100% dos royalties do pré-sal em educação. O PT, por intermédio da Fundação Perseu Abramo, vem investindo muito em formação política, e agora, com os cadernos de conjuntura, coleções sobre temas importantes da atualidade que o próprio partido precisa conhecer melhor, certamente contribuirá para que esses trabalhadores e trabalhadoras reconheçam o que mudou no país como resultado das novas relações que o governo e o PT ajudaram a construir na sociedade.

Há uma consciência média de que as coisas mudaram como obra do acaso ou em função de esforço do indivíduo, que, em parte, é verdade. Mas as oportunidades que se abriram são fruto de determinadas políticas públicas formuladas pensando no Brasil inteiro, direcionadas àqueles que mais precisavam da ação do Estado.

Podemos dizer que o 5º Congresso do PT será uma atualização da estratégia partidária, tendo em vista os últimos dez anos?
Rui Falcão - Não só, mas tendo em vista que nós conseguimos nos livrar do domínio do neoliberalismo e é preciso abrir um ciclo de desenvolvimento que permita avançar na direção de reformas estruturais – uma é a do marco regulatório da mídia; outra, a reforma do sistema político eleitoral.

Há ainda a reforma do Estado, que abrange os mecanismos de maior controle pela sociedade, a reforma do Judiciário, do Ministério Público, que são de ampliação da democracia.

Na Economia, precisamos da reforma tributária para que haja uma política mais efetiva de justiça tributária e fiscal, resolver gargalos estruturais do país, como o governo está investindo em infraestrutura parada há anos, portos, rodovias,  ferrovias... Esse novo Brasil precisa avançar no próximo período. É disso que cuidará o 5º Congresso.

A nova geração não tem a memória da ditadura, do que era o país antes do presidente Lula. É preciso reavivar essa memória, não de forma nostálgica, mas para projetar o futuro que queremos construir. E o PT tem um projeto estratégico de construir uma nova sociedade. Então, quais passos podemos dar hoje, com a atual correlação de forças, que nos possibilitem passar desse período de superação do neoliberalismo para um período de desenvolvimento sustentável, que reduza ainda mais as desigualdades e permita tornar o povo cada vez mais protagonista.

O governo tem tomado algumas medidas, como as desonerações, e mesmo assim não está havendo contrapartida dos investimentos privados. Ações como essas, do jeito que vêm sendo realizadas, paulatinamente, podem vir a substituir uma reforma tributária?
Rui Falcão - Não. As desonerações têm tido o sentido de manter o nível de emprego, que, apesar da crise mundial e de o PIB ter crescido 0,9% em 2012, permanece estável.

O governo tem criado oportunidades para que haja mais investimento. Tradicionalmente, o empresário privado não investe pesadamente antes de o Estado tomar a iniciativa. O governo tem assumido isso em várias frentes, aberto possibilidades de financiamento de longo prazo por meio do BNDES, apontado setores dinâmicos para investimento. Por exemplo, há um amplo ciclo de fornecedores para a indústria naval e a indústria do petróleo, semelhante ao movimento criado em torno da indústria automobilística.

Todo o esquema de concessões de rodovias, ferrovias, aeroportos, com uma taxa de retorno condizente, faz parte do caminho para a retomada do investimento privado. E o governo interveio também em duas áreas fundamentais para que o chamado custo Brasil para competitividade pudesse melhorar. Uma delas foi a redução da taxa de juros, que setores rentistas insistem em reverter a pretexto de combater a inflação; a outra, a redução do preço da energia, um insumo que pesava muito tanto para o consumidor individual como para a indústria em todas as áreas.

E o governo também está na batalha pela unificação do ICMS, que é uma maneira de acabar com a guerra fiscal. São medidas que vêm sendo adotadas e caminham na direção de uma reforma tributária que pode ser mais ampla. É uma reforma fatiada que está avançando, mas é preciso mais, em relação a imposto de renda, a questão das grandes fortunas...

A reforma política também está na pauta partidária. Não é um momento difícil para uma campanha sobre esse tema, uma vez que os partidos estão sendo diariamente atacados pela mídia?
Rui Falcão - O momento é bom principalmente pela maneira como pretendemos tratá-la. Uma abordagem, através de coleta de assinaturas, permite dialogar com a população, primeiro, para falar da importância dos partidos políticos. Não há democracia sem partido político. Não há esquema de poder na sociedade sem partidos políticos.

Segundo, é preciso fazer uma distinção entre os vários partidos. Apesar de estar sob campanha de desmoralização e da tentativa de jogar todos os petistas na vala comum, o PT continua a ser uma referência nacional, tem a preferência da população em todas as pesquisas e uma orientação nacional. Quando se fala no PT, fala-se em partido, o que não acontece com a grande maioria das agremiações.

Terceiro, temos credibilidade para propor essa reforma porque ela possibilita que as pessoas votem em programas e cobrem dos candidatos e partidos compromissos de campanha.

Quarto, o financiamento público é o melhor caminho para combater a corrupção nas eleições, e a população está ciosa de que é importante combatê-la. Além do quê, quebra-se a simbiose entre candidato e quem financia. Não existe o financiamento desinteressado.

E haverá o barateamento das eleições. É ilusório supor que um fundo público ficará mais caro do que os custos indiretos das obras, dos compromissos assumidos no pós-eleição com as empresas que financiam os políticos.

Então, acho que esse é um caminho para resgatar a importância da política e dos partidos. Não é fácil fazer esse debate com a população, mas também era muito difícil convencê-la a votar em um operário que não tinha diploma universitário. E, com toda a carga de preconceitos que existe no Brasil, também era difícil convencê-la que uma mulher pudesse ser presidente da República.

Um partido que tem vocação transformadora, como o PT, enfrenta o senso comum. Quanta coisa foi possível mudar no Brasil em tão pouco tempo quando muitos tinham a convicção de que jamais iria acontecer. Quem esperava que com dez anos de governo pudéssemos liberar os trabalhadores e trabalhadoras domésticos do sistema de quase escravidão que viveram durante séculos. E isso se tornou possível, inclusive no Congresso, tido como a Casa de pouca credibilidade na sociedade.

Também na nossa proposta há a possibilidade de convocar uma assembleia nacional exclusiva para fins da reforma política. Como há a compreensão de que os parlamentares não fazem leis que possam pôr em risco, ou em dúvida, seus futuros mandatos, eleitos exclusivamente com essa finalidade podem fazer uma reforma mais abrangente.

Outra questão ainda foi a inclusão no projeto de lei de iniciativa popular de reforma política da paridade na lista partidária...
A paridade na lista partidária é coerente com nossa política de lutar pela igualdade de gênero, que está consumada nos organismos de direção do partido e agora também foi assumida pela CUT e pela Contag.

Enquanto não se consegue isso na sociedade, pelo menos vamos fazendo a lição de casa, digamos assim, ser coerentes com o que propomos.

O partido terá o mesmo empenho com relação à democratização da mídia?
Rui Falcão - Há uma diferença. Temos braço para fazer coleta de assinatura para a proposta de reforma política. Quanto ao projeto de lei de iniciativa popular para a regulação das comunicações, está sendo assumido por um conjunto de entidades, e nós vamos apoiá-lo.

Há uma tentativa de confundir as pessoas, dizendo que regulamentação é censura, controle de conteúdo. Para mídia impressa o que é necessário é ter uma lei de direito de resposta, na minha opinião. Isso já seria suficiente.

O fato de termos o Processo de Eleições Diretas (PED) antecedendo a discussão do congresso não atrapalha?
Rui Falcão -
Não. Vamos fazer os dois movimentos. O PED é um processo de debates internos, de chapas, de candidatos, que envolve projetos também. Há uma certa semelhança quanto aos conteúdos. Mas, no processo do 5º Congresso, queremos fazer uma coisa de maior fôlego e receber contribuições também da sociedade. Queremos dialogar com outras forças políticas, setores da intelectualidade, porque a ideia é que a tese desse congresso seja densa, trate de questões como estrutura de classe do país, a situação internacional, a integração continental, as reformas estruturais postas no horizonte e os desafios que estão postos para o Brasil nos próximos anos.

É um momento de menos disputas. A tese do congresso será elaborada sob a coordenação de Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini, com um representante de cada força política dentro do PT. A ideia é chegarmos ao 5º Congresso com a tese-guia, que naturalmente sofrerá emendas, resultante de um trabalho de elaboração bem mais amplo que o debate do PED e capaz de recolher contribuições de outros agentes que não participarão do processo de eleições internas.

Então, estamos em um período muito rico. A par dos debates, estamos fazendo simultaneamente a campanha pela reforma política, apoiando a campanha de regulação da mídia, dando sustentação ao governo, tentando criar condições na sociedade para que ele possa avançar mais e, ao mesmo tempo, preparando o partido para a disputa de 2014.

Como você vê o cenário que se delineia para a disputa de 2014?
Rui Falcão - Estamos preparando o PT para manter e, de preferência, ampliar o bloco de alianças que elegeram a companheira Dilma.

A determinação da campanha eleitoral de 2014 é de âmbito nacional para os estados. Aprovaremos uma resolução, semelhante à de 2010, de que toda chapa estadual, antes do registro, precisa ser homologada pela direção nacional. Isso vai nos permitir dar um caráter realmente nacional à disputa e privilegiar o projeto nacional e a reeleição da presidenta.

Também não acredito que haja espaço para uma terceira via. Há o governo e a oposição. É possível que haja mais de uma candidatura de oposição, mas não há candidatura do mesmo campo da presidenta Dilma.

Com isso você quer dizer que não acredita em uma candidatura de Eduardo Campos?
Rui Falcão - Eu quero dizer que a polarização deverá continuar ocorrendo entre o PT e o PSDB e seus aliados. Esses são os dois projetos que têm concepções diferentes sobre o Brasil. Um, a concepção liberal privatista; e nós, uma concepção de desenvolvimento sustentável, de projeto social e de um Brasil em outro patamar, diferente do que tivemos como legado.

A Marina tem um projeto em andamento. Não tem partido, nega partido, mas está tentando construir um. Ainda é um projeto de candidatura. Se vier, será com o discurso da eleição passada, com alguns ajustes, mas já foi testado e aparecerá como oposição.

Uma possível candidatura do governador Eduardo Campos é um direito legítimo. Ele está avaliando as possibilidades. E, se essa candidatura ocorrer, será encarada como alguém que se coloca no campo fora do bloco de governo que estamos defendendo. Todo partido tem direito de pleitear o crescimento. O PSB cresceu na última eleição, tem sido parceiro. Quanto mais pudermos mantê-lo ao nosso lado, melhor.

Rose Spina é editora de Teoria e Debate