Economia

Por que o dinamismo econômico do país a partir de 2004 não foi suficiente para estimular o desenvolvimento de novas atividades industriais?

No que diz respeito à escolha de estratégias, o país, diferentemente dos países asiáticos exportadores de produtos manufaturados, tem tamanho para crescer e desenvolver seu setor industrial baseado no dinamismo de seu mercado interno

Presidenta e ministros reúnem-se com empresários para discutir rumos da economia

Presidenta e ministros discutem com empresários de vários setores uma agenda comum. Foto: Wilson Dias/ABr

Conforme ressaltado por Rowthorn e Ramaswamy (1997), o debate sobre as causas da desindustrialização se dá basicamente entre os que veem esse declínio com preocupação e aqueles que acham que é um fenômeno natural, causado por fatores internos às economias avançadas.

Nessa linha, Rowthorn e Wells (1987) distinguem dois tipos de desindustrialização. De um lado, a desindustrialização “positiva” ocorreria como resultado natural de um crescimento econômico sustentado, em uma economia em pleno emprego e altamente desenvolvida. Esse processo viria como consequência do aumento rápido da produtividade na indústria, que, mesmo com a expansão do produto industrial, levaria à queda do emprego no setor (de modo absoluto e em participação). Seria um sintoma de sucesso econômico e não causaria desemprego, pois o setor de serviços absorve a mão de obra excedente, como ocorreu no caso japonês.

Por outro lado, alguns países seriam atingidos pela chamada desindustrialização “negativa”, considerada um fenômeno patológico. Esse processo ocorreria em economias em qualquer estágio de desenvolvimento caracterizadas por uma severa recessão, na qual renda real e produção industrial ficam estagnadas. Nesse caso, o emprego não é absorvido pelo setor de serviços e há aumento do desemprego, como estaria ocorrendo no Reino Unido no fim da década de 1980.

Por esse último critério, não é possível caracterizar a redução do peso da indústria no emprego e no PIB, ou mesmo a queda do produto industrial que vem sendo observada na economia brasileira nos últimos meses, como um caso patológico de desindustrialização negativa. Ao contrário, o setor de serviços vem contribuindo para levar nossa taxa de desemprego para mínimos históricos mesmo em um contexto de desaceleração da economia. Isso não quer dizer, no entanto, que não há motivo de maior preocupação com nosso desenvolvimento industrial no que tange ao potencial de crescimento econômico que gera para a economia. Nesse contexto, a observação do peso da indústria no PIB ou no emprego não é suficiente como foco de análise, e sim as mudanças que estão ocorrendo dentro do setor industrial.

Na visão estruturalista do desenvolvimento econômico, além de a indústria como um todo abrigar maior potencial de desenvolvimento tecnológico e, portanto, de crescimento da produtividade, a diversificação da estrutura industrial para diferentes ramos é benéfica para o processo de desenvolvimento por tornar o país menos dependente de importações mais sofisticadas e de maior elasticidade-renda do que as exportações realizadas – argumento de Prebisch (1981) e seguidores –, reduzindo, assim, a tendência ao desequilíbrio externo e ao baixo nível de crescimento econômico.

Em trabalho de 20081, realizei estudo empírico comparando a estrutura industrial brasileira com a de outros países para concluir que nossa indústria, que se diversificava até o fim da década de 1970, iniciou um processo de especialização de forma precoce, a níveis inferiores de renda per capita do que os observados em outros países em desenvolvimento e desenvolvidos. Tal processo, que ocorre desde meados da década de 1990 e é aprofundado nos anos 2000, foi marcado pelo ganho de peso de setores de menor sofisticação tecnológica que já respondiam por uma parcela elevada do produto industrial. Um estudo das matrizes de insumo-produto brasileiras indicou ainda que esse processo de concentração da estrutura industrial foi causado, por um lado, pela abertura comercial (e o padrão de comércio exterior em geral) e, por outro, pela falta de dinamismo da demanda doméstica.

Como ressaltou Shafaeddin (2005), o choque competitivo gerado pela liberalização comercial tende naturalmente a favorecer os setores já maduros da economia. Em um contexto de baixo crescimento, parece razoável imaginar que os setores que conseguem se manter, e, portanto, aumentam sua participação relativa, são aqueles que já tinham maior potencial exportador (essencialmente os setores produtores de commodities e bens tradicionais, no caso brasileiro).

Dessa forma, o processo de especialização da indústria brasileira pode ter sido mais passivo do que ativo, no sentido de que decorreu em parte do baixo dinamismo da demanda e da economia brasileira em geral durante a década de 1990. A estagnação econômica traz consigo um déficit de investimentos, o que naturalmente limita o desenvolvimento de novas atividades e o processo de mudança estrutural da indústria. Nesse contexto, entre as atividades industriais existentes, as que tendem a crescer proporcionalmente mais são as que revelam um perfil de investimentos de retorno rápido e de baixo risco, em geral baseados exclusivamente em ativos tangíveis, como é o caso de bens de menor conteúdo tecnológico.

Considerando que a partir de 2004 a economia brasileira entrou em um novo ciclo de crescimento econômico, marcado por um maior dinamismo da demanda doméstica de modo geral, e do consumo das famílias, em particular, a pergunta que vem em mente é: por que tal crescimento não foi suficiente para estimular o desenvolvimento de novas atividades industriais?

Bresser-Pereira (2009) acredita se tratar de um fenômeno de doença holandesa, gerado pela alta de preços de commodities e pela valorização do câmbio. Tal mudança nos preços relativos da economia estaria favorecendo a produção de commodities em detrimento dos bens manufaturados, levando assim a uma primarização de nossa pauta exportadora. Qualquer solução para esse problema requer, de acordo com Bresser-Pereira, uma desvalorização do câmbio para uma taxa que possibilite o acesso daquelas empresas produtoras de bens industriais que já dominam as tecnologias de fronteira ao mercado exportador (tal taxa de câmbio é definida pelo autor como de equilíbrio industrial)

O problema com essa visão do ponto de vista macroeconômico é que tende a desconsiderar o efeito positivo da valorização da taxa de câmbio sobre os salários reais e, assim, o consumo das famílias e a demanda agregada. Com o aumento do poder de compra dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que prejudicaria os setores produtores de bens manufaturados no acesso ao mercado internacional, esse fenômeno poderia beneficiar todos os setores da economia no que tange ao mercado interno2. Qual efeito domina no curto e no longo prazo depende de um grande número de fatores, com implicações para a estratégia de crescimento econômico a ser seguida.

Esse debate está relacionado à grande controvérsia entre os economistas sobre a possibilidade de crescer de forma wage-led (puxada pelos salários) ou profit-led (puxada pelos lucros). Ao mesmo tempo em que aumenta o consumo, uma maior parcela de salários na renda pode reduzir tanto o investimento, devido à diminuição da margem de lucro dos capitalistas, quanto o saldo comercial, devido à perda de competitividade da economia. Por outro lado, o investimento também tem um componente que é induzido pela demanda, podendo ser estimulado pelo aumento do consumo. O efeito total é ambíguo do ponto de vista teórico, e varia de acordo com a propensão marginal a consumir dos trabalhadores, da resposta do investimento à taxa de lucro e da resposta das exportações ao custo unitário do trabalho.

Se no longo prazo o crescimento econômico gerado por uma estratégia, que nada mais é do que uma estratégia voltada para o aumento de competitividade internacional3, for maior do que aquele gerado por uma estratégia wage-led, voltada para o crescimento do consumo, uma desvalorização do câmbio para a taxa de equilíbrio industrial beneficiaria a demanda agregada e o emprego total. Se o contrário prevalecer, uma distribuição de renda em favor da parcela de salários – com salários reais crescendo junto ou mais do que a produtividade do trabalho – deve ser priorizada.

Voltando ao caso brasileiro, um primeiro ponto a ser ressaltado no que diz respeito à escolha de estratégias é que o Brasil, diferentemente dos países asiáticos exportadores de produtos manufaturados, tem tamanho para crescer e desenvolver seu setor industrial baseado no dinamismo de seu mercado interno. Conforme já mencionado, desde a entrada de uma grande parte da população no mercado de consumo a partir das políticas de transferência de renda e de salário mínimo na década de 2000, nosso mercado interno vem crescendo significativamente. Além disso, a atual crise na Europa e em outros países desenvolvidos, bem como a recente desaceleração do crescimento chinês, torna a estratégia de crescimento export-led menos vantajosa.

Ainda assim, ao se tratar dos possíveis benefícios de uma estratégia wage-ledpara a indústria brasileira, temos de voltar à questão já formulada anteriormente. Embora o aumento dos salários reais e a redistribuição de renda tenham gerado maior crescimento da demanda doméstica desde meados dos anos 2000, nosso setor industrial não vem se diversificando para suprir esse mercado. É aí que a penetração das importações, já ressaltada por Ricardo Carneiro em artigo publicado na edição 100 de Teoria e Debate, ganha papel central. Para que a indústria seja o motor do crescimento econômico em uma estratégia wage-led, e para evitar problemas em nosso balanço de pagamentos, é absolutamente necessário reduzir o vazamento de nossa demanda doméstica para as importações, o que não é tarefa fácil.

Muitos vão considerar que não há nenhuma diferença na opção por basear nossa estratégia de desenvolvimento industrial no estímulo às exportações ou à substituição de importações, já que ambas dependem do grau de competitividade de nossa indústria em relação à de outros países. No entanto, embora o papel do câmbio seja crucial em ambos os casos, não necessariamente a taxa de câmbio que dá acesso ao mercado internacional e ao mercado interno para os diferentes setores da indústria nacional é a mesma. Além disso, conforme já mencionado, uma estratégia de desenvolvimento industrial voltada para o aproveitamento do mercado interno deve se basear no crescimento dos salários junto à produtividade, o que reduz o espaço para medidas que aumentem o grau de competitividade da indústria nacional via redução do custo unitário médio do trabalho. Por fim, os setores da indústria que devem ser estimulados pela política industrial e os instrumentos de incentivos tributários a serem utilizados em cada caso também são distintos.

O desenho de uma política industrial adequada para a estratégia de crescimento baseado no mercado interno requer, portanto, um estudo detalhado do perfil de nossas importações. Ainda que as indústrias nacionais que possam suprir a expansão da demanda doméstica por bens de consumo no curto prazo não necessariamente envolvam um alto grau de sofisticação tecnológica (como é o caso das indústrias favorecidas recentemente pela política de IPI reduzido), a experiência brasileira das décadas de 1960 e 1970 mostrou que essa primeira etapa pode servir para aumentar a taxa de investimento e gerar maior mercado interno para os setores de bens de capital. Tais medidas devem, no entanto, ser complementadas por políticas de incentivo à inovação para a recuperação dos outros elos de nossa cadeia produtiva e o desenvolvimento de atividades de maior complexidade tecnológica.

Laura Barbosa de Carvalho é professora da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getulio Vargas e doutora em Economia pela New School for Social Research, Nova York

Referências

BRESSER-PEREIRA, L.C. Globalização e Competição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
CARVALHO, L.B. Diversificação ou Especialização: uma Análise do Processo de Mudança Estrutural
da Indústria Brasileira nas Últimas Décadas. Rio de Janeiro: BNDES, 2010. 170 p.
KRUGMAN, P.; TAYLOR, L. Contracionary Effects of Devaluation. Journal of International Economics, 1978, 8(3):445–456.
PREBISCH, R. Capitalismo Periférico: Crisis y Transformación. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1981.
ROWTHORN, R.; WELLS, J.R. De-Industrialization and Foreign Trade. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
ROWTHORN, R.; RAMASWAMY, R. “Deindustrialization: causes and implications”. IMF Working Paper, n. 97/42, 1997.

SHAFAEDDIN, S.M. “Trade liberalization and economic reform in developing countries: structural change or de-industrialization?” UNCTAD Discussion Papers, n. 179, abril de 2005.