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O apelo do Socialismo como meio para a justiça social mantém-se em patamar considerável no imaginário de parcelas razoáveis da opinião pública

A queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética levaram o debate sobre o socialismo (e a luta política por ele) para a defensiva. No auge do neoliberalismo, nos anos 90, socialismo tornou-se um tema quase tabu, até mesmo entre esquerdas. Mas o suposto desprestígio que lhe foi atribuído não encontra evidência na opinião pública brasileira.

Diante de pergunta sobre sua validade 'para resolver os problemas sociais", já na década passada uma maioria nativa afirmava que o socialismo "continua sendo uma alternativa" (42%), contra apenas 26% que achavam que não - que "já foi uma boa solução, mas não tem mais futuro" (16%), ou que 'nunca foi uma boa solução para os problemas sociais" (10%) -, além de 30% sem opinião (Fundação Perseu Abramo, nov/97), De lá para cá, o descontentamento com a baixa eficácia das políticas de FHC no combate às desigualdades sociais não só permitiu a eleição de Lula em 2002 como parece ter contribuído para algum ganho de prestígio: após a reeleição em 2006, apontaram o socialismo como alternativa 48%, contra 32% que o descartaram (18% por considerá-lo ultrapassado, 14% por princípio) - 20% não opinaram (FPA, nov/06).

Claro que se tratando de questão tão conceitua) é legítimo que se duvide do domínio do tema por parte dos respondestes. Mas duas evidências impedem a radicalização dessa suspeita. Tanto em 1997 corno em 2006 o reconhecimento, da validade do socialismo cresce com o aumento da escolaridade (entre os que não passaram do ensino fundamental a taxa de não opinião é respectivamente de 38% e 29%) e, indagados antes sobre o que pensam "quando ouvem falar em socialismo", em que pesem altas taxas de não sabe (44% e 35%), a maioria dos demais dá a entender que, tem alguma noção do terna. Refere-se espontaneamente a enfrentamento das desigualdades sociais, distribuição de renda, igualdade de direitos ou de acesso a políticas públicas setoriais universalizadas (saúde, educação, segurança, moradia etc. "para todos").

Em suma, o apelo do Socialismo como meio para a justiça social mantém-se em patamar considerável no imaginário de parcelas razoáveis da opinião pública ainda que nas esquerdas - e no próprio PT -, se siga notando pouco empenho para aprofundar o debate sobre sua atualidade e sobre que bases e vias seria realizável. Qual é, por exemplo, a relação dessa utopia socialista com a democracia? Vimos que a adesão à democracia ("sempre melhor que qualquer outra forma de governo") cresceu no Brasil nas últimas décadas de vigência democrática (Teoria e Debate n° 73) e, contraposta à ditadura ("às vezes melhor que um regime democrático"), a opção pela democracia foi partilhada por 61% após a reeleição de Lula (FPA, nov/06) - contra 14% que disseram optar pela ditadura, 17% que 'tanto faz" e 8% sem opinião.

Associando-se as duas perguntas, os democratas "socialistas" conformam urna maioria relativa de 32% - portadora de uma convergência sugestiva para o debate -, os democratas "ex" ou "nunca" socialistas somam 20%, os "socialistas" autoritários ou indiferentes à democracia 14% e os "ex" ou "nunca" socialistas e autoritários ou indiferentes 10% (23% não têm opinião sobre uma ou ambas as questões). Democratas ou "socialistas" crescem com o aumento da escolaridade, mas os democratas "socialistas" superam em todos os segmentos sociais os democratas "anti-socialistas", inclusive entre os 12% que chegaram ao ensino superior (42%a 32%). Apenas na elite econômica dos 5% com maior renda familiar essa relação se inverte, havendo mais democratas "anti-socialistas" (45%) que "socialistas" (31%). Ou seja, o suposto senso comum que opõe democracia e socialismo é, na verdade, um artefato ideológico, a ocultar um ponto de vista classista.

Gustavo Venturi é sociólogo e cientista político.